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O metaverso e as implicações para os cristãos
| Foto: Crédito – Banco de Imagens Envato

Para esta coluna, trago uma contribuição escrita por Nils Bergsten, pastor da Comunidade Videira, em Feira de Santana (BA), sobre um tema que dominou os debates nas redes sociais recentemente. Bom proveito!

Em plena era dos smartphones, no mundo conectado, das amizades virtuais, onde todos têm vez e voz, nada fica parado. Já estávamos travando contato com ideias sobre universos paralelos, em filmes de grande apelo público, e agora a novidade é o metaverso. Sem preocupação em usarmos linguagem técnica, vamos dar uma olhada em como o metaverso atingirá a todos nós, cristãos. Conhecemos a Escritura Sagrada, que nos diz que a nossa luta é contra “hostes espirituais da maldade” e coisas do gênero (Ef 6,12). Os cristãos já conhecem o mundo espiritual, e a Escritura trata das regras desse mundo paralelo. Mas e o metaverso, o que é? Como funciona esse futuro mundo paralelo de todos nós? Futuro, nada! Já é realidade! Vejamos:

A definição

O metaverso é um desenvolvimento tecnológico das redes sociais, um “upgrade” que utiliza novas tecnologias para produzir ambientes de negócios e relacionamentos (iremos deixar de lado os aspectos ligados a negócios). Com o argumento de conectar pessoas, utiliza a tecnologia de feeling of presence, intentando que cada pessoa tenha experiências mais realísticas, incluindo tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada. Utilizando óculos especiais, a pessoa não somente “vê”, mas também “sente”, isto é, recebe informações de tal modo a criar sensações de realidade.

Quando se inclui no metaverso o ambiente de “igreja”, concebida como lugar (e não organismo), o membro da “igreja virtual” torna-se um avatar, um ícone virtual que ali está para “escutar” a pregação

A aplicação para os cristãos estaria na possibilidade de as pessoas poderem utilizar hologramas e avatares, frequentar o ambiente virtual da “igreja virtual” e ali exercer sua “religiosidade”. Pregadores holográficos podem estar dentro de sua casa, ou mesmo você, leitor, dentro de um mundo virtual, enquanto um pregador virtual distribui os sacramentos e tudo o mais.

A realidade

Uma vez que as pessoas se conectem com o ambiente virtual, assumam suas identidades e encontrem ali naquele ambiente as realidades de trabalho e estudo, mas também religiosas, de entretenimento, finanças e tudo o mais, contando com realidades em 3D e realidade aumentada, elas têm agora todos os elementos para fazer dessa construção virtual o seu mundo real primário. Quando se inclui o ambiente de “igreja”, concebida como lugar (e não organismo), o membro da “igreja virtual” torna-se um avatar, um ícone virtual que ali está para “escutar” a pregação. Ao converter-se ali, fica a pergunta mais óbvia: quem se converteu, o avatar ou a pessoa? Como aferir se houve conversão? Onde aparecerá no mundo virtual o fruto de conversão? O novo nascimento será uma luz ou uma troca de cor?

Percebe-se facilmente ser incompatível o raciocínio que funde o mundo espiritual com o mundo virtual. O apóstolo Paulo escreve que as coisas espirituais se discernem espiritualmente (1Co 2,14); então, como aplicaríamos o discernimento das coisas espirituais em linguagem computacional? Impossível! Se não o conseguimos no campo da razão e da matéria, menos ainda no campo frio de um ambiente computacional, criado e desenvolvido para ser mais um elemento de atração e fixação de pessoas e interesses vários.

Implicações de uma “igreja” no metaverso

Será que um cristão pode entrar no ambiente do metaverso e adquirir um bem, comprar algum produto? Claro que pode, como o faz pela internet, desde que a própria aquisição e o bem primem pelos princípios da legalidade e da moralidade.

Contudo, o mesmo raciocínio não vale para a Igreja, sendo ela o Corpo Místico de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A própria natureza espiritual e coletiva da Igreja implicam que sua identidade não pode ser “capturada” por nenhum elemento, nem mesmo pelo tempo e espaço. A Igreja de Cristo transcende o tempo e espaço, sendo ela um organismo vivo que perpassa os tempos e a história, subsistindo a ela, e nela se manifestando. Os perigos, portanto, do reducionismo de argumentar-se por uma “Igreja” no metaverso são, pelo menos, os seguintes:

1. Encarnação e presença. A Igreja, Corpo Místico e Invisível, manifesta-se, no mundo, pela pessoa física dos seus membros. A Igreja não se manifesta em algoritmos, fotos ou expressões gráficas outras. O Corpo de Cristo se expressa na realidade encarnada de seus membros, os quais, juntos, são morada de Deus em Espírito (Ef 2,22). Se Deus não habita em templos feitos por mãos humanas (At 7,48; 17,24), menos ainda Deus habitaria em ambientes virtuais, dentro de máquinas, cabos, modens e fibras ópticas. Deus habita em “gente com espírito”, o cristão que está unido com o Espírito Santo, quando convertido e inserido na Igreja.

2. Vida expressa, natureza encarnacional da Igreja. O impacto do Evangelho ocorre na vida de cada discípulo de Jesus. A nova vida em Cristo Jesus impacta todas as áreas da vida da pessoa – família, educação, cosmovisão e mentalidade, finanças, amigos, criação de filhos, política, trabalho, relações sociais em geral, hábitos alimentares etc. Pergunto: Uma pessoa “convertida virtualmente” tem quais áreas de sua vida transformadas? O avatar é transformado? A pessoa real nascerá de novo e será santificada de que forma? Frequentando estudos bíblicos no ambiente virtual? Ou será apenas mais um “desigrejado” high-tech? E como aconselhar e exortar uma pessoa dessas? Quem e onde a encontrará, para instruir acerca de um erro ou um proceder incompatível com o Evangelho? Como será submetida à disciplina eclesiástica? Como se verá o fruto da transformação? Percebe-se que a Igreja não poderá nem definir qual vida e como haverá expressão da vida de Deus, vida transformada pelo poder do Evangelho.

3. Psicose legalizada. Theodore Dalrymple, psiquiatra britânico, explana com agudeza mordaz a realidade da experiência da psicose coletiva. Ao desenvolver uma personalidade e um mundo virtual de realidade aumentada, estando ali “na Igreja” virtual, no trabalho e em tudo mais, vivendo intensa e prioritariamente o metauniverso, estabelece-se uma psicose pessoal, que, por ser comum a um número sem fim de pessoas, torna-se psicose coletiva. É também uma espécie de esquizofrenia, na medida em que cria uma ruptura com o mundo real das necessidades orgânicas reais, das relações físicas e materiais com o mundo físico e material, tangível das demais pessoas e coisas.

A Igreja, Corpo Místico e Invisível, manifesta-se, no mundo, pela pessoa física dos seus membros. A Igreja não se manifesta em algoritmos, fotos ou expressões gráficas outras

4. Igreja, comunhão e mutualidade. A Bíblia contém 25 mandamentos bíblicos para discípulos de Cristo, acerca uns dos outros, chamados de mandamentos de mutualidade (por exemplo, Rm 12,10 e 16,16; Ef 4,32 e 5,21; Cl 3,13; Hb 3,13 etc.). A Igreja é um espaço de mutualidade e comunhão, um ambiente físico e relacional e de contato presencial, para que seja exercida e praticada a mutualidade, para que haja percepção do outro, edificação mútua e a troca de afetos e suprimentos de vários tipos. Uma pessoa não pode ser percebida pessoalmente no metaverso, em um ambiente virtual. Assim como nos perfis de Instagram, manipulados pelo próprio usuário para “parecer ser quem não é”, no ambiente virtual não será diferente, e ninguém poderá viver e conviver com a pessoa real, e, portanto, a comunhão e a mutualidade inexistem em tal ambiente.

5. Irrelevância de Deus e das Escrituras. O metaverso é o ambiente ou o universo criado pelo homem. Será que nele vão existir pais brigando com filhos? Pessoas bêbadas? Violência? Morte? Sofrimento? Dor? Pois esta é a realidade conhecida do mundo em que vivemos, consequência do pecado em todas as suas estruturas e dimensões. E mais: o metaverso é definido e programado para também ser caótico como esse “universo caído”? Não, porque a definição de pecado não cabe em um algoritmo computacional. Pecado é algo de natureza espiritual, manifesto em alguns casos de modo concreto, porém, em muitos outros (orgulho, inveja etc.), em modo intangível, almático. A pessoa de Deus, as Escrituras Sagradas e a vida relacional e o serviço diaconal da Igreja tornam-se irrelevantes, sem valor prático para a vida no metaverso. Deus vira apenas uma “ideia meio ridícula do mundo ultrapassado”, apenas “um Ser pra cortar o barato” das pessoas, para trazer culpa, um ser que já foi superado pelo avanço da tecnologia.

6. Vida piedosa e santa. Onde ficam as disciplinas espirituais de um avatar? Talvez alguém respondesse “no tempo que a pessoa não está no metaverso”. Mas, se a vida prioritária, primária, cotidiana e real será no metaverso, para que a piedade e santidade? Imaginar que o metaverso é apenas um Novo Instagram 3D é não saber para quê a tecnologia foi criada, não acompanhar as intenções declaradas dos próprios criadores da tecnologia, negar a intenção expressa e declarada de criação de uma “Matrix”, onde já hoje veículos não têm motoristas, onde algoritmos determinam o perfil de cada pessoa, plataformas oferecem conteúdos bem visitados e todos os smartphones captam todas as conversas e coletam dados de simplesmente tudo que se fala, busca e escreve. A oração, a leitura da Escritura, a participação nos sacramentos, a meditação e a santificação, a busca por agradar a Deus e andar de modo digno dele (Cl 1,10) desaparecem em meio ao volume de informações e dados, em meio a universos paralelos vivenciais e experienciais completamente alienadores da realidade espiritual e relacional. Que diferença fará para o avatar, se seu representado crê ou não em Deus, é ou não é santo?

Assim como nos perfis de Instagram, manipulados pelo próprio usuário para “parecer ser quem não é”, no ambiente virtual não será diferente, e ninguém poderá viver e conviver com a pessoa real

Considerações finais

Precisamos conhecer, estudar, perceber, refletir, definir e discernir as estratégias novas e velhas que o Maligno utiliza, e das quais se apropria para prender pessoas no engano. Precisamos entender as maquinações de Satanás. Paulo disse que “não desconhecemos os seus ardis” (2Co 2,11). A operação do erro (2Ts 2,11) já está ativa em nosso meio, mas os espíritos do engano (1Tm 4,1) intentam tragar – se possível fosse – até os escolhidos (Mc 13,22).

À Igreja não cabe ignorar nem a realidade nem os riscos dela. Muitos têm receio de o comunismo tomar o poder no país, mas quantos têm receio de a tecnologia roubar a alma dos cristãos? Por acaso o Tentador, com milênios de experiência tentando os homens, sabendo que pouco tempo lhe resta (Ap 12,12), usará velhas e conhecidas táticas e estratégias para obter os mesmos resultados? Citando o profeta Daniel, “a ciência se multiplicará” (Dn 12,4), mas o povo que conhece o seu Deus se esforçará e fará proezas (Dn 12,32). “Vós tendes a unção do Santo, e sabeis todas as coisas”, diz a Palavra (1Jo 2,20). A Escritura também diz que “é melhor a repreensão aberta do que o amor encoberto” (Pv 27,5), o que valida um importante paralelo – quando a batalha é difusa e obscura, o inimigo é muito mais difícil de definir e de dele nos defendermos. O metaverso é um ambiente criado por homens com uma finalidade de negócios, relações, entretenimento e outras coisas. Não é o metaverso um inimigo, mas o deus deste século o é (2Co 4,4). Aqueles que cegam as mentes são os dominadores deste mundo tenebroso (Ef 6,12), espíritos malignos que exercem controle por meio dos meios que estão à disposição deles.

Como a Igreja reage? A Igreja não reage – a Igreja age! A Igreja é a promotora de relacionamentos saudáveis, em primeiro lugar com Deus, depois uns com os outros (1Ts 4,9). A Igreja é o ambiente saudável onde habita o amor, sendo extensão e corpo do próprio Cristo. Na Igreja quem age e faz interagir é o Espírito Santo de Deus (Jo 14,17-23), que supre plenamente todas as necessidades espirituais, relacionais e sociais, mediante Sua poderosa ação nos meios que para isto Ele estabeleceu. A Igreja é um ambiente real muito mais saudável e edificador que qualquer outro universo criado pelo ser humano. A Igreja é divina e, como tal, revela os céus, não uma “terra” falsa, despersonalizada e sem Deus. Como escreveu o apóstolo Paulo: “E os que usam deste mundo, como se dele não usassem, porque a aparência deste mundo passa” (1Co 7,31). Os cristãos estão no mundo, mas não são do mundo, usam coisas do mundo como se não usassem, porque cristãos já têm o mundo da eternidade, o mundo onde a vida vai muito muito além da imaginação, desejos e possibilidades.

Que Deus nos conceda a nós, cristãos, discernimento, pois somos filhos do Criador e Sustentador do Universo! Que Deus nos conceda sabedoria a todos!

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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