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Marcia Hino, Daniela Leluddak e Taiane Ritta Coelho*

Tecnologia na pandemia

“Obesidade digital”: como o excesso de tecnologia pode ser prejudicial

11/09/2020 11:25
Em abril de 2020, mais da metade da população global estava com algum nível de distanciamento social ou lockdown. A pandemia da Covid-19 nos mostrou a necessidade de estarmos conectados e não vivermos excluídos, à margem da sociedade. As medidas de isolamento nos forçaram a se fazer presente em um mundo digital para manter nossa rotina de trabalho, de estudo, de consumo e até de entretenimento. Houve uma grande mudança nas nossas vidas, que só foi possível pelo uso mais intenso de tecnologia.
A mudança também ocorreu nas organizações. A transformação digital era latente e ocorria lentamente. No entanto, durante a pandemia essa transformação foi impulsionada e, em menos de três meses, foi significativa e impactante para toda a sociedade mundial. O receio e o desconhecimento deram espaço à adoção de tecnologias digitais. Muitas empresas aceleraram sua transformação digital, com a implementação de diversos recursos tecnológicos que permitissem seus negócios continuarem funcionando.
O uso indiscriminado de tecnologia já existia, contudo, passou a ser a forma de conexão entre a empresa e seu funcionário, entre a empresa e seu cliente, entre o cliente e o mundo real. O trabalho remoto se popularizou, e assim, a utilidade da tecnologia para as empresas. A partir de então, novas ferramentas tecnológicas começaram a ser utilizadas. Historicamente, o uso de tecnologia foi sempre acompanhado da necessidade de mudança de paradigmas no dia a dia, e as empresas não tiveram tempo para amadurecer reflexos dessa mudança em processos e, principalmente, nas pessoas.
Diante desse uso intenso de tecnologia, chamamos a atenção para o risco de uma obesidade digital. E o que seria isso? O termo “obesidade digital” foi inicialmente usado em 2004 pela Toshiba para representar o aumento do volume de dados digitais que pessoas e organizações começavam a acumular em seus dispositivos tecnológicos¹. Transportando esse conceito para os tempos atuais, a obesidade digital pode ser entendida como o uso excessivo e indiscriminado de ferramentas tecnológicas ou digitais.
A obesidade digital pode ser gerada pela falta de consciência crítica no uso de tecnologia. Poderíamos até dizer que é um estágio inicial da dependência digital. Ela é um problema iminente tanto para as pessoas, quanto para as organizações, pois a tecnologia está sendo utilizada para saciar necessidades sociais que o isolamento impediu que fossem supridas da forma tradicional.
Seu uso intenso pode ser percebido pelo aumento de 76% do uso de WhatsApp, o incremento de 70% no tempo de uso do Facebook e o aumento em 70% das lives no Instagram em março de 2020² ³ ⁴. E ainda, em 18 de abril, mais de oito milhões de pessoas assistiram ao festival online “One World: Together at Home”. Dessa forma, artistas, médicos, organizações, empreendedores, professores, religiosos, prestadores de serviço, e outros profissionais ressignificaram as transmissões em vídeo.
O uso intenso não é percebido somente nas mídias sociais e tende permanecer intenso quando o isolamento social acabar. O home office deve continuar sendo estimulado pela maioria das organizações. A instituição financeira XP Inc⁵, bem como a JP Morgan Chase, a Barclays e outras organizações de Nova York, avaliam manter o home office como prática permanente⁶. Essa mudança veio para ficar, como um novo comportamento das pessoas. Nossa identidade no mundo real está sendo substituída por nosso perfil no ambiente virtual⁷.
Uma pesquisa recente de Cassitas Hino, Coelho e Leluddak⁸ realizada com mais de 300 pessoas identificou que mais de 45% das pessoas utilizam três ou mais aplicativos diferentes para fazer a mesma coisa. Mas já paramos para entender o por quê? Essa mesma pesquisa indicou que o nível de ansiedade por estar conectado aumentou mais de 400% durante a pandemia e que, embora o uso de tecnologia esteja mais intenso, as pessoas não querem voltar a usá-la como  antes.
Isso nos leva a crer que as pessoas não parecem perceber o que está acontecendo e é esse comportamento que está levando as pessoas à obesidade digital. Usamos e dependemos tanto da tecnologia que se quer percebemos o risco que podemos correr. A obesidade digital pode afetar vários aspectos da vida de uma pessoa e pode até exigir tratamento⁹. A frequência e duração do uso podem influenciar e impactar na biomecânica do corpo, como no caso dos smartphones, interferindo também nos aspectos sociais e psicológicos.
E o que você faz quando se está obeso? Uma dieta. Mas a dieta digital não é tão simples assim. O uso de tecnologia tem a ver com utilidade e essa utilidade dificulta o processo de libertação ou “equilíbrio” de seu uso.
O smartphone, por exemplo, ficou mais popular à medida que sua conveniência aumentou. O smartphone hoje é agenda, máquina fotográfica, calculadora, navegador de internet, plataforma de jogos, equipamento de trabalho, enfim: a partir do momento que os usuários passaram a perceber mais utilidade, eles se tornaram mais relevantes, mais presentes, e nós, mais dependentes. Da mesma forma, o uso da internet em equipamentos móveis, que, por um lado, nos possibilita ter acesso em qualquer lugar e a qualquer hora, é o que nos monitora, controlando nossas vidas e nossos hábitos¹⁰.
No momento em que você se depara com mudanças tecnológicas que são
incorporadas na sua rotina e facilitam o seu dia a dia, as pessoas não desejam
mais regredir. Algumas pessoas abandonarão estes hábitos, mas muitas ficarão
dependentes destas novas tecnologias. A tecnologia já está tão incorporada na
vida das pessoas que elas passaram a ver isso como algo “normal”, ou ainda, “o
novo normal”. A tendência é cada vez mais as pessoas ficarem mais dependentes e
obesas digitais.
Temos a tendência de olhar a obesidade digital como algo ruim, perigoso. Será? Como tratar isso se as pessoas se sentem confortáveis e felizes com o uso intenso de tecnologia? Como tornar a vontade de ficar desconectado o objeto de desejo do “novo normal”?
*Marcia Regina Martelozo Cassitas Hino é PhD em Administração. Atua como pesquisadora na Cibiogás e faz pós-doutorado em Administração na Universidade Positivo. Possui artigos de tecnologia publicados no Brasil e no Exterior.
*Daniela Leluddak é especialista em gente. Atua como psicóloga clinica e corporativa, palestrante, colunista e orientadora de carreiras em mercados diversos no Brasil e no Exterior.
*Taiane Ritta Coelho é pesquisadora e professora do Departamento de Ciência e Gestão da Informação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutora em Administração pela FGV-EAESP, possui inúmeras publicações e pesquisa realizadas sobre tecnologia e gestão estratégica da informação.

Referências

¹ Toshiba (2004). Britons growing 'digitally obese'. Disponível em https://bbc.in/3m7MGZTtm
² Agrela, L. (2020a). Como válvula de escape na quarentena, redes sociais crescem no mundo. Disponível em: https://bit.ly/35sOJl1 Acesso em 11.Mai.2020.
³ Agrela, L. (2020b). WhatsApp cresce até 76% por causa do coronavírus. Disponível em: https://bit.ly/3meFGtW
⁴ Fiore, M. (2020). Com pandemia, Instagram vê uso de lives crescer 70% durante mês de março. Disponível em: https://bit.ly/2Fn5aVB
⁵ InfoMoney. (2020). XP anuncia home office até dezembro e estuda trabalho remoto permanente. Disponível em https://bit.ly/3hguU2F
⁶ Uol. (2020). Coronavírus pode mudar NY com home office permanente nas maiores empresas. Disponível em https://bit.ly/32juXXb
⁷ Pelgrom, M. (2016). Digital Obesity? [Associate Editor's View]. IEEE Solid-State Circuits Magazine, 8(3), 6-6.
⁸ Cassitas Hino, M. ; Coelho, T. R.; & Leluddak, D. (2020). Obesidade Digital: Será este mais um Legado da COVID-19? (2020). ISLA 2020 Proceedings. 16. Disponível em: https://aisel.aisnet.org/isla2020/16
⁹ Young, K. S. (2004). Internet Addiction: New Clinical Phenomenon and Its Consequences. American Behavioral Scientist, Vol. 48, n. 4, p. 402-415.
¹⁰Cupani, A. (2016). Filosofia da tecnologia: um convite. Florianópolis: Editora da UFSC.

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