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A desigualdade importa e é por isso que o governo quer cobrar mais Imposto de Renda
| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O governo federal quer fazer, dentro de sua proposta de reforma tributária, mudanças no Imposto de Renda que, no fim, devem levar a uma maior tributação dos rendimentos e um peso menor dos impostos sobre o consumo. Nesta quarta-feira (20), o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, confirmou essa intenção e deixou claro que a equipe econômica entende haver uma injustiça no IR.

Segundo Tostes Neto, é preciso reduzir a regressividade no IR. Colocando de outra forma, é preciso fazer com que os mais ricos paguem mais. O sistema tributário foi montado de uma maneira que privilegia rendimentos de fontes que não são o trabalho, dá isenções difíceis de justificar e provoca desigualdade na renda disponível.

O discurso de que não é preciso olhar para a desigualdade e sim para a pobreza é bastante comum no debate econômico. Isso talvez seja verdade em um universo no qual não há distorções provocadas por influência política ou pela privação de oportunidades. Assim, a riqueza individual seria fruto apenas do esforço. Haveria apenas a desigualdade "natural", por assim dizer.

Mas a análise econômica, como defende o prêmio Nobel de economia Angus Deaton, precisa encarar um mundo imperfeito, no qual há uma segunda fonte de desigualdade. Ela é formada por coisas como sistemas tributários injustos, falta de condições mínimas de geração de renda e a aflição provocada por mazelas como doenças infectocontagiosas.

O nosso sistema tributário é uma causa de desigualdade. Primeiro, porque privilegia impostos sobre o consumo. Por si só, essa escolha faz com que pessoas mais pobres dediquem uma parcela maior de seus rendimentos ao pagamento de impostos - isso porque precisam consumir um percentual alto do que recebem (muitas vezes 100%). Quem tem renda maior consegue gerar poupança que muitas vezes é passada para gerações futuras.

No Brasil, os tributos sobre consumo representam pouco mais de 16% do PIB, peso maior do que em qualquer país desenvolvido. Na Dinamarca, são 15% do PIB, na França, 11%, e nos Estados Unidos, 4,5%. Em se tratando de tributação de renda, o Brasil é o lanterna na comparação com os países da OCDE. Recolhemos pouco menos de 5% do PIB, contra 12% nos EUA e 10,5% na França.

Chegamos a essa diferença de outros países pela via da desigualdade. O IR no Brasil carrega vários caminhos de isenção e subtributação. Um caso é a isenção sobre investimentos como LCAs e LCIs, instrumentos financeiros que são inacessíveis a pessoas pobres. A progressividade da tabela do IR no Brasil é menor do que em outros países. E também temos o fenômeno da pejotização, que alivia a carga de rendas mais elevadas. No fim, o IR efetivamente pago no país sai de 0% nas rendas baixas, cresce gradualmente até chegar a uma faixa de 11% a 12% (para rendas mensais R$ 13 mil a R$ 52 mil), a partir da qual cai de novo até chegar a 5% entre as rendas mais altas. As contas são do especialista em sistema tributário Sérgio Gobetti, do Ipea.

O sistema tributário no Brasil é tão caótico que até acabar com a isenção de impostos da cesta básica pode ajudar a reduzir a desigualdade. Parece impossível, mas ao longo do tempo entrou tanta coisa no conceito da cesta básica (caviar é o caso mais bizarro) que o benefício fiscal final é maior para pessoas mais ricas do que para os mais pobres.

Ao mesmo tempo, a tributação excessiva sobre o consumo tornou o conceito de "supérfluo" fora da realidade. O Estado no Brasil nos diz o que precisamos ou não - um exemplo dos mais curiosos é que o IPI de perfumes é de 42% e o de água de colônia, 12%. Os mais pobres não deveriam usar perfume (supérfluo) e sim água de colônia. Como qualquer consultora da Avon sabe, as pessoas pagam o preço do perfume, não importa a renda, e assim criamos desigualdade.

O fato de as três propostas de reforma tributária (Câmara, Senado e agora do governo) tocarem em pontos que tornariam o sistema menos regressivo é animador. Vai haver bastante resistência, principalmente em temas que afetem grupos que hoje são beneficiados. Advogados não vão gostar de ter de sair do Simples. Assim como prestadores de serviço não vão gostar de dividir o ônus de forma mais equânime com a indústria. Quem paga pelo sistema de saúde privada não vai gostar de perder sua dedução. Quem recebe herança não vai gostar de pagar mais do que 8% de ITCMD.

Não estou falando aqui de planos amalucados de imposto sobre grandes fortunas ou Imposto de Renda de 70% sobre os milionários. Isso não funciona porque tem o efeito colateral de desestimular o empreendedorismo e a inovação. Mas temos que ter certeza de que a causa da riqueza (e da desigualdade) vem disso, e não da influência sobre quem faz as políticas públicas.

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