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Acabou a fase de torrar dólar barato na Disney
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Em 2013, logo depois dos protestos que atravessaram as grandes cidades do Brasil, o economista do Goldman Sachs Paulo Leme deu uma entrevista em que fazia um diagnóstico quase perfeito do momento da economia. Estávamos, segundo ele, na beira de um ajuste que incluiria baixo crescimento, depreciação cambial, com o risco de se dobrar a aposta no gasto público. A chamada para a entrevista na Folha era a seguinte: "Brasil gastou sua poupança na Disney".

Leme explicava que a expansão do gasto público estava sendo bancada pela entrada de capital externo, o que fez o real se valorizar. Em vez de aproveitar a oportunidade para aumentar investimentos, foi-se para o lado do gasto improdutivo. Gastamos dólar barato na Disney, literalmente.

O economista estava certo na análise e ela hoje pode ser aplicada ao momento da depreciação do real. Até 2014 o gasto público, combinado com uma pesada intervenção no câmbio via contratos mantidos pelo Banco Central, estava fazendo o real ficar apreciado. Isso porque o gasto estava correlacionado com uma maior taxa de juros (o governo financiava seus gastos crescentes a juros muito maiores do que no exterior). Hoje o movimento é o contrário.

Na época em que o câmbio estava na casa dos R$ 2 por dólar, em grande parte dos governos Lula e Dilma, economistas avaliavam que esse era um fenômeno normal dentro de um sistema de câmbio flutuante. E que isso abria uma oportunidade para aumento da produtividade via investimentos em máquinas e equipamentos importados. Mas preferimos gastar na Disney, no AliExpress e em Land Rovers.

O Brasil não segurou essa chance e a produtividade continuou estagnada. A maior parte do crescimento econômico dos anos do PT veio da absorção de mão de obra no mercado de trabalho (que aumentou o gasto das famílias), cenário favorável para a exportação de commodities e gasto público.

Quem melhor capturou a oportunidade do dólar barato foi o Banco Central, que acumulou reservas de mais de US$ 300 bilhões e que agora estão sendo usadas para atenuar as oscilações do câmbio. Nem o BC, nem o mercado sabem até onde o preço do dólar pode ir e podemos esperar uma atuação constante da autoridade monetária.

A política fiscal não é único determinante da taxa de juros, que fique claro. Ela é um fator crucial para a determinação da taxa de juros, que por sua vez influencia o câmbio. Isso porque o mercado cambial vive da arbitragem entre juros, ou seja, se o Brasil paga taxas muito maiores do que em outros países, recebe mais investimentos financeiros.

Como observou o ministro da Economia, Paulo Guedes, o Brasil escolheu conduzir um ajuste fiscal para valer, o que se refletiu nas taxas de juros - a Selic está em sua menor taxa e deve cair um tanto mais. Ao mesmo tempo, a expectativa de redução maior nos juros americanos pode não se concretizar, o que ajuda a explicar o movimento recente no preço do dólar.

Há outras coisas em jogo. A percepção de investidores a respeito do potencial de crescimento econômico no Brasil ainda não se recuperou. O resultado abaixo do esperado no leilão dos campos de óleo excedente do pré-sal ajudou a fixar essa percepção. A guerra comercial entre EUA e China também prejudica o real, já que o mercado chinês é o maior consumidor das commodities brasileiras.

A forma como o governo se comunica também não ajuda. Um exemplo disso é a declaração do presidente Jair Bolsonaro jogando para um futuro incerto a reforma administrativa, tão importante quanto a da Previdência para a sustentabilidade de longo prazo das contas públicas. A frase de Guedes nesta semana sobre deixar o dólar ir para onde quiser é outro exemplo.

O câmbio no Brasil é regido por um sistema "flutuante sujo", o que significa que há intervenção ativa da autoridade monetária. Em alguns momentos do passado recente, ele ficou muito sujo - no governo Dilma Rousseff, o BC acumulou mais de US$ 100 bilhões em contratos cambiais para segurar o dólar - e agora está levemente sujo. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, declarou que vai vender dólares quando detectar anormalidades (o que tem uma boa carga de subjetividade).

Campos Neto sabe que os momentos de desvalorização do real são também uma oportunidade para o BC reduzir um pouco suas reservas cambiais. Esse ativo é um colchão para momentos de emergência, mas análises apontam que seu volume pode ter um custo-benefício negativo, já que o BC gerou dívida pública remunerada pela Selic para comprar reservas remuneradas por juro zero.

Com essas informações, sabemos que o BC não vai deixar o dólar ir muito longe para não atrapalhar o ciclo de redução dos juros. Ao mesmo tempo, sabemos que os juros baixos não deixarão o dólar voltar para os tempos em que não se precisava fazer contas para comprar enxoval de bebê em Miami.

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