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Auxílio emergencial: retorno em meio a debate complexo sobre contas públicas.
Auxílio emergencial: retorno em meio a debate complexo sobre contas públicas.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A contragosto, a equipe econômica deve fechar a proposta de mais uma rodada de auxílio emergencial. O valor deve ser igual o menor ao da última onda (R$ 300) e o público-alvo deve ser consideravelmente reduzido. É pouco provável que a negociação com o Congresso leve a uma solução ótima - com o gasto dentro do teto e pago com cortes de outras despesas.

Desde o fim do ano passado, a equipe econômica tentava encontrar alguma forma de atender à pressão política por mais auxílio sem minar o teto de gatos. A questão foi empurrada por dois meses e meio, na esperança de pelo menos haver uma sinalização de que haverá reformas para melhorar a situação fiscal do país.

A realidade é que a negociação para viabilizar o auxílio está fazendo mais estrago do que se a equipe econômica admitisse que não existe espaço político para o que ela deseja. Incluir esse gasto no teto, mesmo que reduzido R$ 25 bilhões ou R$ 30 bilhões neste ano, significa um corte da mesma magnitude no orçamento. De todas as ideias que apareceram para isso até agora, a que melhor fecha a conta veio do economista Marcos Mendes, que sugere o direcionamento de emendas parlamentares para o pagamento do auxílio.

Os parlamentares gostam da ideia de aprovar o auxílio, mas dificilmente abririam mão de direcionar suas emendas para onde estão seus votos. Não existem outras opções muito promissoras de redirecionamento dentro do orçamento. Outras ideia de Mendes são transferir a conta para os estados (ainda mais politicamente difícil) e reduzir benefícios fiscais (o que não resolve o limite imposto pelo teto).

A abordagem inicial da equipe econômica, ainda no ano passado, foi tentar redirecionar recursos de outros programas sociais para engordar o Bolsa Família. Esse caminho faz sentido por melhorar a eficiência do gasto, mas foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, que não queria "tirar do pobre para dar ao paupérrimo". Agora é tarde demais, já que não haveria tempo para o redirecionamento da maior parte do dinheiro - recursos do abono salarial já estão comprometidos, por exemplo.

Sobrou como saída uma negociação para contornar o teto. No ano passado, o estado de calamidade permitiu os gastos extraordinários para combater os efeitos da Covid-19 e a ideia já está circulando de novo no Congresso. Outra opção é uma negociação de crédito extraordinário (que tem implicações jurídicas para provar que ele é de fato necessário) casado com um relaxamento da meta de déficit primário.

É nesse contexto que ainda se espera uma sinalização mais forte do Congresso de que vai aprovar reformas que aumentem o fôlego fiscal do país. Todas elas são complexas, mexem com temas constitucionais e de difícil aprovação. E, mesmo se aprovadas, podem não entregar o que se espera. Para o mercado, a incerteza sobre as contas públicas está aqui e não no auxílio emergencial.

Auxílio tem de ser visto como estímulo

Se o Brasil não tivesse que pensar nas contas públicas, a nova rodada de estímulo via auxílio emergencial já poderia estar sendo paga. A recuperação da economia, por causa das características de vaivém da pandemia, é ainda errática. O ritmo de vacinação não é suficiente para dar segurança de que as atividades econômicas vão terminar o primeiro trimestre rumo à normalidade.

A economia, em outras palavras, tem ainda muita capacidade ociosa e teria benefícios com mais uma dose de estímulo. Do que o governo tem em mãos, o auxílio ainda é o melhor instrumento - rápido de distribuir e majoritariamente transformado em consumo. O caminho do investimento em obras não tem esse mesmo efeito pela combinação de falta de projetos, lentidão do Estado e corrupção.

A questão seguinte é: o Brasil tem como pagar mais uma rodada de estímulo? Sem pensar no teto de gastos, um programa que custe entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões faria o déficit primário projetado para 2021 crescer 10%. Ao mesmo tempo, o acúmulo de déficits entre 2020 e 2021, beirando R$ 1 trilhão, não inviabilizou a gestão da dívida pública em um mundo mergulhado em liquidez.

O problema principal na ideia de mais uma rodada de estímulos é político. Quando olha para Brasília, o mercado vê a indisposição histórica em fazer reformas que melhorem o controle dos gastos e destravem o crescimento. Ao mesmo tempo, a vontade de aumentar gastos e benefícios fiscais nunca passa, e o auxílio seria mais um sinal disso. Só para dar outro exemplo, em dois anos o governo não conseguiu reduzir em um milímetro sequer os 4% do PIB em benefícios fiscais.

Por isso, o discurso de "troca" do auxílio emergencial por reformas tenha lógica. Só que não se encaixa no tempo, O auxílio só faz sentido se for agora, para dar suporte à recuperação até um avanço mais consistente da vacinação. As reformas, cuja necessidade independe desse gasto adicional com o auxílio, andam no ritmo da disposição política.

O gasto público é uma variável-chave para o mercado projetar os juros de longo prazo. E, nisso, vale mais o conjunto institucional do que as circunstâncias que tornaram o auxílio emergencial ainda necessário. O mercado quer saber qual a projeção para a dívida pública para os próximos anos e qual o arcabouço legal para se chegar nesse resultado. O teto de gastos, hoje, é a única âncora para essa expectativa de longo prazo.

O teto, sozinho, é insuficiente. Ele foi devorado por dentro pela expansão dos gastos obrigatórios e por fora pelo baixo crescimento da economia. Para ser sustentável até ter algum efeito prático sobre endividamento, o teto depende de reformas que segurem os gastos obrigatórios.

Após a reforma da Previdência, o governo vem apostando na combinação de PEC Emergencial e reforma administrativa como meio de equilibrar os gastos. A janela para aprovar esses projetos é agora em 2021, mas é preciso uma dose grande de otimismo para que eles façam alguma diferença. A PEC Emergencial traria gatilhos politicamente amargos. Cortar salários de servidores e, como defende a equipe econômica, segurar o reajuste das aposentadorias não são propriamente pautas que o Congresso costume endossar.

O risco de não haver mudança substancial no gasto público - tanto no lado da eficiência da despesa quanto nos benefícios fiscais - é concreto, mesmo com a aprovação parcial das reformas pedidas pela equipe econômica. O governo precisa dizer para onde vai o déficit público na próxima década e apresentar um plano crível de sustentação do endividamento, o que é mais do que temos hoje no Congresso.

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