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Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo
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Em 2017, 37 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito. Foram mais dezenas de milhares de feridos, que ocupam mais da metade dos leitos do SUS. O custo anual, somando-se mortes e tratamento dos feridos, é de mais de R$ 50 bilhões. Este é um problema real, grave e que precisa ser atacado por autoridades e pela comunidade. Mas o presidente Jair Bolsonaro prefere combater as ferramentas que ajudam na solução do problema.

Na transmissão pelas redes sociais que fez na quinta-feira (07), Bolsonaro disse que vai acabar com lombadas eletrônicas. A princípio, ele se referia ao fato de haver a previsão para que concessionárias de pedágio instalem equipamentos de controle de velocidade em suas áreas de concessão, coisa que ele quer tirar dos contratos. No fim, disse que vai acabar com as tais lombadas, pois hoje é impossível viajar sem levar uma multa.

Acho que seria desnecessário dizer que a velocidade dos veículos está relacionada à quantidade e à gravidade dos acidentes. Estudos internacionais mostram que essa correlação é forte, embora a velocidade não seja o único fator por trás de acidentes de trânsito – bebida e direção, condições das estradas, capacitação dos motoristas, equipamentos de segurança dos carros são outros exemplos de fatores que também estão ligados a mortes em ruas e estradas.

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Uma compilação de estudos sobre velocidade e acidentes feita no ano passado pelo Fórum Internacional de Transportes, ligado à OCDE, traz vários casos em que a redução na velocidade média no trânsito resultou em menos acidentes e mortes. Um caso exemplar é da França, que implantou radares entre 2003 e 2004. A velocidade média nas rodovias caiu de 127 km/h para 119 km/h entre 2001 e 2005, acompanhada de uma queda de 36% no número de fatalidades. Percentual similar foi registrado em vias onde a velocidade antes dos radares já era menor.

Radares inibem motoristas de desrespeitar os limites de velocidade implantados para aumentar a segurança viária. Você pode até questionar se um limite de 80 km/h ou de 110 km/h é adequado para um trecho ou outro de estrada, o que é na prática um problema de engenharia de tráfego. Respeitar o limite é uma questão legal, independente de haver radar ou não. Se você for multado é porque não seguiu a legislação de trânsito feita para a manutenção de um ambiente saudável de circulação de carros.

Libertários podem também argumentar que os limites acabam com sua liberdade de comprar um carrão. O problema aqui é que essa liberdade comprovadamente coloca em risco terceiros. Aplicado ao ato de beber e dirigir, o argumento fica com sua limitação mais explícita. Há poucos países sem restrição de velocidade – e mesmo na Alemanha, exemplo mais conhecido, há um debate muito forte para a imposição de limites (e que está recebendo oposição enorme das montadoras).

Bolsonaro não quer saber das mortes, nem dos estudos científicos. Ele quer jogar para uma audiência que não gosta de aliviar o pé do acelerador e acha que o problema do país é a existência de uma “indústria da multa”. Aí chegamos ao ponto em que o país precisa reduzir a segurança viária porque não consegue lidar com a corrupção na contratação de radares, pelo menos onde há contratos diretos com o setor público.

No caso das concessionárias de pedágio, a história da indústria da multa não cola muito porque o interesse delas é encontrar o menor custo para cumprir o que é pedido em contrato. E há um segundo interesse para usar bem os sistemas de controle de velocidade: bons contratos exigem uma redução nas taxas de acidentes ou mortes. Se não atuar para reduzir os acidentes, a concessionária perde. No fim, o setor público ganha com uma economia (menos acidentes, menos mortes) e com as multas sobre os apressadinhos.

Em vez de prometer uma política pública incoerente, Bolsonaro poderia refletir sobre como usar as novas concessões de rodovias para tornar o trânsito mais seguro. Ele poderia prometer exigir indicadores melhores de acidentes e mortes, que seriam monitorados com rigor pelo governo. Se não cumprissem, as concessionárias seriam multadas. O presidente também poderia colocar ênfase no melhor aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que com certeza não apoia o fim dos radares e teria muito interesse em receber mais equipamentos para evitar acidentes – radares móveis e bafômetros. Também poderia anunciar apoio para que estados e municípios aumentem o rigor na aplicação dos limites de velocidade e da lei seca em seus domínios.

Esse compromisso faria com que o Brasil continuasse andando para a frente, já que tem conseguido reduzir as mortes no trânsito. No pior momento, em 2012, tivemos 44 mil mortes por essa causa no país. O número caiu consistentemente abaixo de 40 mil nos últimos quatro anos. E deveria cair mais rapidamente, se fossem aplicados os recursos certos de educação, monitoramento e punição.

Fechar os olhos para o problema real pode animar a torcida bolsonarista, mas não consola quem perde familiares nos milhares de acidentes registrados todos os anos no país.

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