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Prédio em construção
| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O governo certamente vai decepcionar muita gente se colocar um limite de R$ 500 no saque extraordinário do FGTS. Talvez encontre um caminho de redenção se permitir pequenos saques anuais. Dentro do próprio governo terá de se decidir quem é o dono de fato do dinheiro depositado no fundo.

Na origem, o FGTS foi um mecanismo que serviria como indenização aos trabalhadores quando acabou a estabilidade no emprego e, ao mesmo tempo, como poupança forçada para o desenvolvimento do país via construção civil. Isso foi em 1966.

De cara, o fundo aliou três interesses que nem sempre são harmônicos. Governo, construção civil e trabalhadores têm benefícios diferentes vindos do FGTS.

Para o governo, o fundo serve como um estímulo econômico estável, já que sua capacidade financeira bilionária pode ser mobilizada mesmo em momentos de crise. São recursos que podem entrar em programas de construção de moradias populares, agradam a classe média com apartamentos e casas de até R$ 1,5 milhão e ainda ativam projetos de interesse duvidoso através do famigerado FI-FGTS.

Para a construção civil, há no fundo uma combinação de crédito e estímulo ao consumo. O crédito é garantido por R$ 500 bilhões em ativos que garantem pouco mais de R$ 60 bilhões em aportes por ano. Mas há algo ainda mais importante: muita gente só decide comprar um imóvel porque é a única forma de dar destinação imediata a recursos ali depositados. É um estímulo e tanto ao consumo.

Pode-se argumentar que a compra da casa própria é o benefício também para o trabalhador. A poupança forçada pode ser para muita gente o caminho para conseguir dar uma entrada na compra de um apartamento. Mas em um mundo de pessoas adultas, a forma compulsória como o FGTS se impõe é um atraso e isso ficou muito claro quando o governo Michel Temer decidiu liberar os depósitos de contas inativas.

De repente, milhões de pessoas passaram a ser donas de fato do destino de seu dinheiro depositado no FGTS. Agora, o governo Bolsonaro viu a mesma oportunidade de injeção de recursos na economia com uma pitada maior de liberalismo. O saque se tornaria anual para dar ao cotista um maior direito de decisão sobre os recursos. No limite, o ideal seria eliminar o depósito compulsório no FGTS e tratar a compensação por rescisão de contrato de trabalho de outra forma.

Ao dar mais poder ao trabalhador com uma visão liberal, o governo passa a sofrer maior pressão do terceiro interessado no FGTS. O setor da construção teme perder recursos para a erguer moradias. No curto prazo, isso não é uma possibilidade real. O risco é perder no longo prazo e ter de buscar o dinheiro onde todas as outras empresas estão, o mercado de crédito.

O FGTS tem R$ 518 bilhões em ativos, segundo o balancete do terceiro trimestre de 2018. O grosso, R$ 344 bilhões, está em operações de crédito. Mas o fundo tem R$ 143 bilhões em títulos, sendo mais de R$ 90 bilhões em títulos do governo, com alta liquidez. Outros R$ 18 bilhões são recursos de liquidez imediata.

Anualmente, o FGTS financia cerca de R$ 60 bilhões em projetos. Parte desse dinheiro vem de novos depósitos e parte do lucro de investimentos anteriores. A conta, portanto, parece fechar se o governo liberar R$ 40 bilhões neste ano, como prometido.

Para o futuro, no entanto, a conta não fecha. Por causa da crise econômica, o fluxo de depósitos está cada vez mais próximo dos saques (que na maior parte são por causa de demissões sem justa causa). Neste ano, até agora, foram menos de R$ 2 bilhões de saldo positivo entre depósitos e saques. O "lucro" do fundo não é impressionante. Foram R$ 12 bilhões em 2017, último número disponível. Com as regras aprovadas no governo Temer, metade desse saldo passou a remunerar os cotistas. O governo agora fala em repassar 100% do lucro.

Dos R$ 544 bilhões de recursos do FGTS, R$ 100 bilhões são lucros acumulado que viraram patrimônio do próprio fundo e não vão remunerar cotistas. Esse montante vai parar de crescer se os lucros não forem mais retidos.

Em resumo, as mudanças em estudo pelo governo tornam o fundo cada vez menos importante como financiador, já que seu saldo de recursos disponíveis vai crescer mais lentamente. Isso tem um efeito benéfico do ponto de vista da liberdade de escolha do cotista, verdadeiro dono do dinheiro, e reduz a margem de manobra para governo e indústria da construção.

E isso dói em quem acredita na mão pesada do Estado para a construção de casas. Em dez anos desde 2009, o Minha Casa Minha Vida contou com R$ 61 bilhões em descontos do FGTS para a habitação urbana e outros R$ 7,7 bilhões para o fundo de arrendamento residencial. É só um exemplo do uso do fundo como um orçamento paralelo do governo federal.

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