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Governo vai acabar com minha estatal preferida
| Foto: Acervo CEITEC

O governo federal anunciou que vai acabar com a Ceitec, estatal fabricante de chips criada no governo Lula. O empreendimento não deve ser privatizado, mas liquidado. Deixará de existir da mesma maneira que surgiu, por força de lei.

A empreitada do governo no ramo de microprocessadores é um resumo de tudo que pode acontecer de errado quando uma empresa é criada pelo governo: motivação ideológica, falta de objetivo, dinheiro público infinito e resultado pífio. Por tudo isso, é minha estatal preferida.

A criação da Ceitec ocorreu no momento em que a política do governo Lula partia para a ideia de um Brasil grande. Aquele que podia entrar no Conselho de Segurança da ONU, costurar acordo de paz no Oriente Médio, ter trem bala e produzir tecnologia de ponta.

A lei que criou a Ceitec diz em seu segundo artigo que a empresa teria " por função social o desenvolvimento de soluções científicas e tecnológicas que contribuam para o progresso e o bem-estar da sociedade brasileira". Uma definição na qual cabe de tudo, seguida das atividades definidas em lei: produzir semicondutores, comercializar patentes e prestar serviços de consultoria e assistência técnica. Parece simples.

O ponto de partida da Ceitec foram máquinas doadas pela Motorola ao governo do Rio Grande do Sul no início dos anos 2000. Os equipamentos foram alocados em um centro de desenvolvimento de tecnologia (de onde a Ceitec herdou o nome), que não avançou até encontrar uma porta aberta no governo federal.

Quando a União entrou na jogada, o dinheiro deixou de ser problema. Em 2005, antes mesmo da criação da estatal, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) direcionou recursos à construção de uma fábrica de microchips, em um terreno cedido pela prefeitura de Porto Alegre. Não havia plano de negócios submetido a investidores, visão de oportunidade, nem empreendedores correndo risco.

Foram investidos R$ 400 milhões na fábrica, inaugurada em 2010. Como é comum em projetos estatais, a obra andou devagar e foi alvo de uma investigação do Tribunal de Contas da União, que apontou superfaturamento. Na inauguração, os gestores da Ceitec já sonhavam com mais US$ 1 bilhão para ampliar a sua capacidade produtiva.

A fábrica tinha um principal projeto na prateleira, o chamado "chip do boi", usado nas argolas de rastreamento de rebanhos. A tecnologia básica era dos anos 50 e o produto tinha dezenas de concorrentes no mercado, já que estava longe de ser inovador.

Para sorte dos contribuintes, a Ceitec nunca viu a cor do bilhão sonhado para sua ampliação. Isso porque também não viu o dinheiro das vendas. O balanço de 2019, mais de uma década depois de a União entrar no projeto, registra vendas de magros R$ 7,8 milhões. Com custo operacional de quase R$ 80 milhões, a companhia precisou de um aporte de R$ 66 milhões do governo federal.

Seu portfólio de produtos se baseia na tecnologia RFID, que usa um microchip e uma antena, e é usado em aplicações como etiquetas e outros itens de identificação. Também presta serviços para projetos e fabricação de microchips para terceiros. Pouco diante do custo milionário de se manter uma equipe de mais de 180 pessoas, a maioria com alto grau de instrução.

Na inauguração da fábrica, Lula fez um discurso em que afirmava que só faltava o governo demandar a produção da Ceitec para ela dar certo. Ele classificou o projeto como "comunismo moderno", no qual os empreendimentos estatais têm superávit. Ao mesmo tempo, o Brasil tinha que "perder a mania de pequenez para entrar na mania da grandeza, sem arrogância".

O resultado do comunismo moderno lulista é que ele não funciona da mesma maneira que não funcionava o comunismo raiz. Além de consumir recursos públicos sem retorno ao contribuinte, o projeto da Ceitec concorreu pela mão de obra qualificada que poderia estar muito bem empregada em empreendimentos privados.

A mania de pequenez à qual Lula se referia é provavelmente o fato de o país não contar com muitos dos segmentos de tecnologia de ponta - entre eles o de semicondutores. Esse setor emergiu na ebulição do pós-guerra nos Estados Unidos, onde o financiamento de projetos de guerra fomentou os inovadores que mais tarde fundaram os primeiros fabricantes de microchips.

O mercado cresceu e se consolidou em torno de um número pequeno de empresas devido à combinação de custos altos de desenvolvimento e ganhos de escala. Chips precisam ser produzidos em volumes altos para serem competitivos e bancarem a desenvolvimento necessário para sua produção. A Lei de Moore (cunhada por um dos fundadores da Intel e segundo a qual a capacidade dos microchips dobra a cada 18 meses) não combina com máquinas de segunda mão e compras obrigadas pelo governo.

Isso não significa que o Estado não possa ajudar a criar condições para o crescimento de setores da fronteira tecnológica. A combinação de centros de pesquisa avançada para a formação de mão de obra, ambiente propício para negócios, proteção a patentes e cultura empreendedora, entre outros fatores, foi alcançada pelos países que se destacam em setores tecnológicos. Em muitos casos, o fornecimento para projetos públicos estratégicos é o amálgama dessas outras partes. O Brasil não vai bem na maioria desses itens. Não é mania de pequenez.

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