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Guido Orgis

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Blog que discute ideias em economia política

Histerese, a nova doença da economia brasileira

Pessoa com a carteira de trabalho em fila por emprego
(Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

Nos últimos meses começou a aparecer uma expressão técnica exótica nas análises sobre a economia brasileira: histerese. O termo, que parece saído de um consultório médico, é usado por economistas para descrever choques que causam danos persistentes - no caso brasileiro, sobre o mercado de trabalho.

A histerese é um fenômeno físico no qual um sistema conserva determinadas características mesmo na ausência do impulso que as criou. Pense em uma barra de ferro deformada por uma força e que não volta para sua configuração inicial. Economistas usam o termo por analogia para descrever situações em que um choque provoca efeitos duradouros.

O Brasil pós-recessão tem vivido uma recuperação lenta, com crescimento médio de 1% ao ano e manutenção do desemprego em duas casas decimais. No auge da crise, a taxa de desocupação chegou a 13% e caiu menos de um ponto percentual desde então.

A histerese no mercado de trabalho é um tipo de "doença" porque em situações normais o aumento do desemprego é um dos fatores que aceleram as retomadas. É pela ociosidade da força de trabalho que é feito o ajuste mais rápido nas força produtivas, criando-se a folga para que os preços deixem de subir e a política monetária fique relaxada a ponto de aumentar a demanda e reduzir o desemprego.

Recessões profundas, no entanto, não têm essa dinâmica. Um estudo breve publicado há poucos dias pelos economistas do Bradesco Thomas Henrique Pires e Rafael Murrer compara crises profundas com ciclos recessivos normais em diversas economias. Eles mostram que nas recessões muito fortes há um aumento rápido na taxa de desemprego e ela permanece alta durante anos.

A situação brasileira se assemelha à histerese do mercado de trabalho ocorrida em recessões profundas em economias desenvolvidas, nais quais a taxa de desemprego ficou elevada por três anos ou mais. Pela análise dos economistas, o Brasil ainda está no meio do ciclo da histerese e podemos esperar pelo menos mais três anos de desemprego de dois dígitos.

O diagnóstico da histerese importa porque é um fator a mais na tomada de decisão sobre que tipo de estímulo é preciso para a economia. Isso porque o fenômeno de desemprego prolongado tem efeitos graves de longo prazo sobre a produtividade total da economia. Pessoas que ficam muito tempo longe do mercado de trabalho ficam desatualizadas, perdem parte do capital humano que adquiriram em treinamentos e em experiências anteriores, e se tornam menos produtivas quando encontram um emprego.

Em muitos casos, a histerese leva a situações de perda dramática do capital humano. É quando pessoas com capacitação deixam de procurar trabalho ou precisam aceitar empregos informais e de baixa complexidade por períodos prolongados. É comum que muitas delas jamais retornem à suas áreas de especialidade. Outro efeito é a fuga de cérebros, a emigração de pessoas capacitadas para outros países - fenômeno fácil de comprovar no momento atual da economia brasileira.

Abrindo um parêntesis, há uma histerese paralela acontecendo hoje no país: a de máquinas, equipamentos e infraestrutura. A recessão profunda foi acompanhada de um encolhimento do investimento e da sustentação de uma elevada capacidade ociosa em fábricas. Quando a economia melhorar, muitas empresas estarão tecnologicamente defasadas e nossa infraestrutura estará carcomida pelo tempo.

Entender a histerese é relevante para o debate atual sobre estímulos à economia. Os economistas do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre) colocaram em sua carta mensal de julho que o país precisa de um estímulo fiscal, além do monetário. No texto, a histerese do mercado de trabalho faz parte do argumento - um estímulo fiscal via investimento público aceleraria a retomada do emprego e reduziria os danos provocados pela grande ociosidade da força de trabalho.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, parece preferir o caminho do estímulo indireto, via política monetária (a redução dos juros pelo Banco Central) e liberação de recursos "empoçados", como depósitos não utilizados do FGTS. O debate deve ser sobre a intensidade desse estímulo e quanto ele vai colaborar para encurtar a ociosidade da economia.

O ponto central da proposta de estímulo de Guedes é a reforma da Previdência. Ao melhorar a expectativa sobre o gasto público, a reforma reduz os juros no mercado (coisa que já está ocorrendo) e permite ao BC ser mais ativo no estímulo monetário. Pelo comportamento das expectativas, o BC já deveria ter reduzido a taxa básica de juros, mas preferiu esperar o melhor andamento da reforma.

O quadro de grande ociosidade combinada com lentidão do mundo político (afinal, esperamos a reforma desde 2016) está custando caro para a economia real. Não podemos culpar o BC por querer esperar a aprovação das mudanças na Previdência, mas agora é necessário que o impulso monetário venha de forma intensa, já que as expectativas para a inflação estão bem ancoradas.

O governo, por sua vez, precisa manter uma visão dupla sobre contas públicas. De um lado, é preciso mostrar que o ajuste de longo prazo é para valer, o que significa respeitar o teto de gastos. Mas também é preciso correr para desfazer o contingenciamento de recursos do orçamento deste ano. A equipe de Guedes conta com o destravamento de privatizações e o leilão do petróleo excedente do pré-sal. A máquina pública precisa andar mais rápido nesses casos.

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