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Imposto sobre o dízimo foi um pecado político e econômico
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O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, acordou nesta segunda-feira (29) já com a tarefa de ser “melhor entendido”, após ter dado uma entrevista à Folha. Teve até de publicar um vídeo do presidente Jair Bolsonaro desmentindo o que disse. Sua ideia fixa de implantar no Brasil o imposto único evoluiu para o imposto do dízimo, batendo forte na base eleitoral de Bolsonaro.

A ideia de Marcos Cintra é criar um novo imposto para substituir as contribuições previdenciárias que incidem sobre os salários. Seu argumento é o de que a desoneração dos salários cria empregos, enquanto é possível pagar a conta com um tributo pequeno sobre uma base arrecadatória maior. Seria essa contribuição, entre 0,9% e 1%, que incidiria sobre qualquer operação, com ou sem dinheiro, que morderia o dízimo das igrejas.

A ideia de Cintra é ruim sob vários aspectos. Do ponto de vista de sua aplicação, é improvável que dê certo da maneira que ele diz. Como os contrabandistas pagariam seu naco do imposto ao vender cigarro paraguaio? E onde estaria a Receita Federal para tirar sua parte do dízimo das igrejas? Essa característica universal é impossível em uma economia com alta informalidade. Na prática, o governo conseguiria onerar ainda mais operações com registro oficial – uma espécie de CPMF ampliada, que poderia pegar algumas trocas em dinheiro, como a compra de um carro usado.

A proposta também não é muito promissora do ponto de vista da justiça tributária. Atualmente, a contribuição previdenciária incide sobre a folha de pagamentos (20%, pagos pelas empresas) e salários (entre 8% e 11%, pagos pelos trabalhadores) com o objetivo de custear a Previdência. São os futuros beneficiários do sistema previdenciário que custeiam benefícios presentes, como requer um sistema de repartição como o brasileiro. Na proposta de Cintra, a repartição passa ser com toda a sociedade.

O próprio Cintra reconhece que sua ideia é um imposto em cascata, o pior tipo que existe. Ou seja, ele incide em todas as fases de uma cadeia produtiva, tornando sua alíquota real sobre um determinado produto muito maior do que sua alíquota nominal. É o que entidades do setor produtivo mais odiavam na CPMF, imposto que tinha alíquota menor do que a proposta pelo secretário.

O secretário da Receita explica que a repartição com uma base ampla daria uma receita igual à da contribuição atual. Mas não diz que o benefício estaria concentrado em quem tem carteira assinada. O que dizer do trabalhador informal que pagará o imposto e não terá direito à aposentadoria? Ou o contrabandista de cigarro terá direito a benefício do INSS ao fim da carreira? Além disso, o sistema previdenciário perderia a própria base de cálculo para os benefícios – hoje, quem ganha mais paga mais e tem direito a aposentadoria maior. Como seria calculada a aposentadoria em uma base tributária na qual o salário não faz diferença?

Politicamente, a proposta de Cintra é inviável, como demonstrou a reação de Bolsonaro. O secretário da Receita tocou em um assunto que, embora mereça ser discutido, vai inviabilizar a conversa sobre seu novo imposto e pode contaminar a discussão sobre reforma da Previdência. Ele tem razão ao dizer que há inúmeras isenções no Brasil – algo próximo de R$ 300 bilhões em impostos que deixam de ser arrecadados todos os anos. Mas teria de discuti-las uma a uma, enfrentando os lobbies mais poderosos em Brasília. A bancada religiosa é um fato da vida política, assim como a bancada ruralista e o lobby das montadoras. Fora isso, algumas isenções podem ter efeitos positivos e, por isso, o que falta mesmo é uma análise de custo-benefício.

O setor produtivo brasileiro há muito tempo reclama da oneração dos salários no país. É um tema que precisa ser abordado pelo governo, a começar com penduricalhos como o Sistema S (onde está a faca de Paulo Guedes?) e salário-educação. As alíquotas patronais de contribuição, no entanto, são de difícil substituição – atualmente, todos os contribuintes já ajudam a cobrir o déficit da Previdência e socializar uma conta ainda maior não faz muito sentido em meio ao debate sobre a reforma previdenciária. Logo mais, os sindicatos vão querer que a contribuição sobre o dízimo substitua a reforma.

Cintra foi traído por sua ideia fixa de criar no Brasil um imposto único. Com a discussão da reforma tributária sendo liderada pelo Congresso, o secretário da Receita decidiu adaptar o projeto que defendeu durante toda sua vida política e acadêmica. Acabou provocando uma confusão desnecessária e pode perder o emprego por isso.

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