Até os dois últimos leilões de campos de exploração no pré-sal, era comum o argumento de que o governo estava vendendo petróleo a preço de banana. Por que pedir R$ 106 bilhões, no caso do leilão de óleo excedente da capitalização da Petrobras, quando a estimativa é de que o óleo no fundo do mar vale mais de R$ 1 trilhão?
Esse é um tipo de pergunta que inverte a lógica de como o mundo real funciona, algo provado pelo fato de os blocos não terem sido todos arrematados pelo "capital estrangeiro". O valor do petróleo embaixo de uma camada de 2 mil metros de sal é zero até que alguém o retire dali. Partindo dessa lógica, já podemos perceber que a concessão da exploração não é uma venda de óleo. É a permissão de uma atividade com riscos que não são para qualquer um.
O leilão de óleo excedente realizado na quarta-feira (06) tinha muitos riscos. Além da questão tecnológica da exploração em águas superprofundas, que naturalmente limita a competição para cerca de uma dúzia de grandes empresas, havia dúvidas sobre volume (o intervalo do potencial dos blocos era alto) e a respeito da indenização devida aos investimentos já feitos pela Petrobras. Fora o fato de o investimento inicial na concessão ser bilionário.
O modelo de exploração também não ajuda muito, como mostra o leilão da quinta-feira (7), em que foi arrematado um dos cinco blocos oferecidos. Embora com menos riscos do que no leilão de excedentes (em que foram vendidos dois dos quatro blocos), o preço cobrado das empresas parece ter afugentado as grandes petroleiras.
O fato de o sucesso dos leilões ter ficado abaixo do esperado não significa um fracasso do país no pré-sal. Essas reservas ainda são valiosas para o setor e farão o Brasil estar entre os maiores produtores de óleo nas próximas duas décadas. Mas isso ocorrerá em um mercado com crescimento mais fraco e sob a sombra de uma transição energética provável nos próximos 35 anos, duração dessas concessões.
O Brasil pode estar, na verdade, cobrando mais do que o momento da economia global permite. Na quarta-feira, depois do leilão dos blocos de óleo excedente, começou um movimento no governo e no Congresso para mudar o marco legal do pré-sal. Hoje, a Petrobras tem ainda o direito de preferência para ser operadora (já foi uma obrigação, retirada dois anos atrás) e o modelo de partilha não é o preferido das empresas do setor - ele exige a presença de outra estatal, a PPSA, que recolhe parte do petróleo para o governo.
A partilha foi instituída no novo marco legal do petróleo criado no segundo governo Lula e atende a um discurso de nacionalização dos recursos naturais. Ele faz com que a exploradora fique apenas com parte do óleo retirado, o que reduz o retorno esperado nos projetos e aumenta o risco. Sobre o que fica com a petroleira também incidem royalties. O modelo bem-sucedido na Bacia de Campos é todo sem partilha e poderia ser facilmente adaptado para o pré-sal caso não haja uma mudança no médio prazo na tendência de preços.
O governo vai oferecer novamente ao mercado os blocos não arrematados. Poderá ajustar os lances iniciais ou mudar o modelo da concessão para acelerar os investimentos necessários para o pré-sal de fato se tornar um dos principais fornecedores de petróleo do mundo. O mais importante é fazer isso de forma ordenada e com uma perspectiva de uso correta dos recursos que começarão a entrar no caixa dos governos em quatro ou cinco anos.
No pacote fiscal apresentado na terça-feira, o governo prevê repassar 70% dos recursos de royalties do pré-sal para os municípios. É uma nova postura que vai dar fôlego financeiro durante muitos anos para que as cidades invistam nos serviços básicos. Por isso, não é justo dizer que o pacote tira dinheiro de serviços à população (na verdade, o corte é no funcionalismo), ou que os leilões desta semana significam que os repasses serão menores do que o previsto (o dinheiro de royalties só cai quando há produção e esses blocos serão viabilizados em outros leilões).
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