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O vírus não tem medo de bancos centrais
| Foto: AFP/Bangkok Airlines

Bancos centrais de vários países e líderes do G7, o clube dos países mais ricos, declararam que farão o que for necessário para deter os efeitos econômicos negativos do coronavírus. Esse movimento, que teve sua manifestação mais forte no Fed (o BC dos Estados Unidos, que cortou os juros em meio ponto percentual nesta terça), é mais vago do que as reações dos mercados fazem entender.

Tem razão o analista econômico que disse, não me lembro bem em que jornal, que o vírus não está nem aí para o Fed. O cerne da questão é bem esse: o coronavírus é um problema de saúde, não de taxa de juros ou de estímulos financeiros.

O principal efeito econômico de um problema sanitário como o coronavírus é um choque de oferta. Fábricas deixam de funcionar porque não têm gente para operar máquinas. Foi assim em algumas regiões da China, Itália e Coreia. Cadeias de fornecimento de matérias-primas e componentes são cortadas por falta de produtos, de motoristas, ou porque caminhões não podem sair de alguma região. Serviços param porque as pessoas estão em casa.

No momento seguinte, o choque de oferta se transforma também em um choque de demanda. Consumidores deixam de ir às compras, perdem a confiança, esperam para ver o que vai acontecer. Empresas cancelam investimentos.

Não há muito o que bancos centrais possam fazer para lidar com choques de oferta. Baixar juros não vai curar funcionários, nem desbloquear cidades em quarentena. No limite, os BCs podem se apoiar na estratégia que adotaram depois da crise financeira de 2008, comprando títulos e o que mais aparecer para jogar dinheiro na economia.

Há um detalhe: essa estratégia funciona em crises financeiras, não é cura para viroses. Na prática, a única garantia de que o coronavírus não causará uma recessão é ele ser detida ainda em seu início, antes de matar mais pessoas e causar mais danos à economia. O resto é incerto.

O anúncio do G7 nesta terça (03) foi lacônico justamente por essas razões. Os países se comprometeram a usar medidas para garantir o crescimento forte e sustentável. O que pode se traduzir em pacotes de injeção de recursos na economia para amenizar o efeito de fábricas fechadas. O governo japonês, por exemplo, deve dar apoio a empresas cujos funcionários terão de ficar em casa por causa de escolas fechadas.

Ao mesmo tempo, bancos centrais começaram a baixar os juros - Austrália e Malásia já fizeram anúncios. Não poderíamos esperar uma postura diferente diante de mercados nervosos com a incerteza criada pelo coronavírus. Mas a sustentação dos preços de ativos através de juros baixos e estímulos financeiros tem sucesso no curto prazo, enquanto os efeitos do vírus virão em um prazo que não se pode antecipar.

O que garantiria um ano sem recessão global é a certeza de que a transmissão do coronavírus será detida. Mas há sinais ruins nessa área. Nos Estados Unidos, para dar um exemplo além de Itália e Coreia, o vírus aparentemente está circulando sem controle no estado de Washington. Após uma série de troca de alfinetadas entre órgãos públicos, foi tomada a decisão de se facilitarem os testes na população.

Além da dificuldade na contenção do vírus, há incerteza sobre sua letalidade. E este é o ponto positivo que pode amenizar os efeitos da crise de saúde. Inicialmente, falava-se em pouco mais de 2% de mortes entre quem ficou doente. Mas é possível que a estatística tenha sido distorcida pelo número de pessoas que passaram sem diagnóstico porque tiveram sintomas leves. Se a letalidade for bastante mais baixa, é possível que as medidas de contenção sejam adaptadas.

Até lá, vale a conta divulgada ontem pela OECD: o crescimento global será expressivamente menor neste ano (2,4%, contra 2,9% estimado anteriormente) e poderá cair ainda mais (para 1,5%) se o vírus continuar se espalhando. O pior cenário desde 2008.

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