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Saudades do tempo em que o dólar custava 82 centavos
| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O Natal de 1994 teve um fenômeno novo: os catálogos de importados. Podíamos comprar bugigangas do exterior com preços baixos, entregues pelos Correios. Uma espécie de pré-história do AliExpress, que foi resultado da estabilidade cambial criada pelo Plano Real. Foi o tempo em que o real teve seu pico de valorização, chegando a comprar um dólar por apenas 82 centavos.

Provavelmente muita gente aproveitou para viajar para a Disney naquele período, mas acredito que as viagens internacionais entraram realmente no consumo do brasileiro no fim dos anos 2000. Foi quando, em vez de catálogos de bugigangas, recebíamos livretos de agências de viagem com tours como o "ônibus de brasileiros pelo Vale do Loire".

Esses foram os dois momentos em que nos sentimos ricos por causa do câmbio. O ciclo mais longo de valorização do real foi logo depois da criação da moeda, de 1995 até o fim de 1998. Em 1999, começamos o ano com uma maxidesvalorização que por pouco não acabou em uma tragédia econômica. O segundo ciclo começou no boom das commodities de meados dos anos 2000 e culminou com a enxurrada de dólares derramada no mercado depois do estouro da crise imobiliária nos Estados Unidos, ali por 2011.

Os momentos de valorização do real rapidamente elevam a sensação de bem-estar. Passamos a consumir produtos melhores (importados ou com preços definidos globalmente) ou a ter a possibilidade de viajar para fora do país (talvez a grande conquista depois da educação dos filhos e da casa própria). O PIB per capita brasileiro calculado em dólares passou de US$ 3,4 mil, em 1994, para US$ 5,3 mil, em 1997. Alta de 55% em três anos.

No ciclo seguinte, passamos de US$ 3,6 mil, em 2004, para US$ 13,2 mil, em 2011. O crescimento, de 277%, é fortemente explicado pela virada no câmbio: em reais, a alta foi de 140% no mesmo período. É normal que muita gente tenha aproveitado esse poder de compra da moeda para o consumo.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi bastante infeliz ao estigmatizar as oportunidades de consumo abertas pelos períodos de valorização do real. Os dois ciclos emergiram de fenômenos econômicos distintos, com consequências também diferentes. Tiveram por um bom tempo apoio inclusive de economistas "de mercado".

Hoje sabemos que a âncora cambial que embasou o Plano Real foi longe demais. E que o boom das commodities poderia ter sido acompanhado de um processo mais longo e consistente de consolidação das contas públicas. Na época, era politicamente difícil defender uma mudança de rumo justamente porque o real valorizado aumenta o bem-estar.

Guedes tem razão em dizer que o momento hoje é outro. A combinação de anos de recessão profunda com um ajuste fiscal (ainda inacabado) permitiu que os juros caíssem para o mínimo histórico. Não existe hoje o mesmo incentivo de uma década atrás para o "carry trade", a negociação em que investidores trazem dólares aos montes para investir em juros seguros no mercado brasileiro.

É por isso que não devemos esperar, pelo menos nos próximos anos, um movimento de valorização do real como nos ciclos dos catálogos de 1994 e das viagens de 2010. O que não significa, também, que estamos vivendo uma nova maxidesvalorização, uma impressão errada que é passada pelo destaque que se deu às cotações recordes do dólar nas última semanas.

Levando-se em conta a inflação no Brasil e nos Estados Unidos, a máxima histórica do dólar ocorreu no fim de 2002, quando Lula foi eleito presidente. O dólar chegou perto de R$ 4, o que hoje seriam pouco mais de R$ 7. A cotação atual do dólar está perto do que os especialistas chamam de "equilíbrio", nem caro nem barato. Não está tão ruim, portanto, para uma viagem à Disney.

Isso explica outra questão estranha do atual momento da economia. Normalmente, a desvalorização do real é acompanhada pela alta das exportações, especialmente de produtos industrializados, o que não está acontecendo. Precisaríamos de um dólar ainda mais caro para que ele realmente fizesse a diferença na conquista de novos mercados - ainda mais em um momento de comércio internacional estagnado. Não repetimos as condições da retomada de 2003 em diante, portanto. O motor terá que ser interno e ele ainda não teve o tranco certo para pegar.

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