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Francis Collins, diretor do National Institutes of Health
Francis Collins já tem uma década e meia de serviço pela harmonia entre ciência e religião.| Foto: Olivier Douliery/AFP

Na última quarta-feira o Dr. Francis Collins, atual diretor dos National Institutes of Health, ou NIH, que reúne todo o sistema de saúde e de pesquisa biomédica dos EUA, foi agraciado com o prestigioso Prêmio Templeton. No ano passado o prêmio foi dado a um Brasileiro, o físico Marcelo Gleiser, sendo amplamente anunciado pela imprensa brasileira como “o Nobel da Espiritualidade”.

A premiação do Dr. Francis Collins se reveste de especial importância nesse momento em que o debate sobre a relação entre religião e ciência se complica, no Brasil, pela polarização ideológica. Muitos católicos e evangélicos conservadores apoiam o governo Bolsonaro e, por conta disso, tendem a concordar com sua atitude de negacionismo científico, o que adiciona um pouco mais de lenha ao fogo de uma relação já tensa entre a religião e a ciência brasileira. Nesse contexto, o fato de o ganhador do prêmio Templeton ser, simultaneamente, um dos maiores cientistas do mundo e um cristão evangélico assume grande importância.

O cientista

Francis S. Collins nasceu em 1950 e cresceu numa fazendo no interior da Virginia. estudou na universidade do mesmo estado, formando-se químico em 1970. Tinha pouco interesse na biologia, que considerava “caótica e imprevisível”, incapaz de ser formalizada em leis gerais. Mas no doutorado em físico-química na Universidade de Yale, durante um curso de bioquímica, aprofundou-se no estudo do DNA e do RNA e concluiu que estava enganado sobre a biologia. Moveu-se eventualmente para a medicina, que foi seu destino acadêmico final na universidade de Yale. Posteriormente, como professor e pesquisador em genética humana na universidade de Michigan, Collins enveredou-se na busca de causas genéticas de doenças, desenvolvendo uma técnica especial para identificação de genes que levou, à descoberta da base genética da fibrose cística em 1993. Dali em diante causas e tratamentos para diversas doenças como a neurofibromatose e a doença de Hutchinton foram descobertas, como resultado de seu trabalho, ajudando a lançar uma nova era de medicina de precisão.

De 1993 a 2008 o Dr. Collins dirigiu o National Human Genome Research Institute, à frente do Projeto Genoma Humano (HGP), durante o qual 2400 cientistas de 6 países, e articulando 20 laboratórios trabalhando vinte-e-quatro horas por dia, sete dias por semana, e em 2003 o primeiro genoma humano completo foi sequenciado, com suas três bilhões de “letras” de DNA, dois anos antes do prazo e com economia de 400 milhões de dólares do orçamento inicial. Essa realização fenomenal abriu imensas avenidas para a pesquisa genética e da saúde humana, e os frutos continuarão sendo colhidos por muito tempo.

Em 2009 Collins assumiria, a convite do Presidente Barack Obama, a direção dos National Institutes of Health ou NIH, e em 2013, sob a administração Obama, lançaria a iniciativa BRAIN, um programa de 3 bilhões de dólares para o mapeamento do cérebro humano. Collins foi reconduzido ao cargo pelo Presidente Donald Trump e atualmente, como chefe do Dr. Anthony Fauci e da pesquisa biomédica nacional, está diretamente envolvido com a resposta global à Pandemia da COVID-19. Foi a primeira vez na história em que o diretor dos NIH foi mantido com a mudança da administração.

A atividade científica de Francis Collins já o recomendaria para os mais altos reconhecimentos dentro e fora da comunidade científica; mas sua vida trouxe um importante impacto em outro campo: o da espiritualidade.

A conversão

Francis Collins cresceu em um ambiente familiar no qual a religião estava superficialmente presente, e chegou a participar de um coral de igreja na infância. Mas não fazia ideia de quem seria Jesus Cristo, considerando-se agnóstico desde a juventude. Com essa mentalidade iniciou os estudos universitários, movendo-se em direção ao ateísmo à altura do doutorado. Mas já no curso de bioquímica que mudou sua carreira em Yale, a elegância e a complexidade da vida começaram a intrigá-lo, sugerindo que a vida teria algum sentido, afinal.

Mais tarde Collins procurou sistematizar essas interrogações intelectuais. Em princípio, pesava o estranho fato de que há alguma coisa ao invés de nada, a grande questão metafísica que, segundo ele, não pode ser respondida pela ciência, mas permanece válida e inescapável, emergindo da mera constatação de que há um mundo real.

Mas havia também questões que emergiam da própria ciência. Aquilo que foi chamado pelo físico-matemático Eugene Wigner, prêmio Nobel de Física de 1963, de “a irrazoável efetividade da matemática” lhe parecia particularmente intrigante. Por que um conjunto de equações básicas tão elegantes explica o comportamento do mundo físico de modo tão integrado? Como podem as equações de Maxwell funcionar tão perfeitamente? A cosmologia do Big Bang também o intrigava. Se a evidência física, como reunida no modelo cosmológico padrão estiver correta, o universo tem um princípio. Mas o que isso significa? E o que dizer do conjunto de evidências de ajuste-fino do universo, presente em constantes e proporções universais que aparentemente não tem causa necessária nem dependência de leis físicas, sugerindo macro-design e um princípio antrópico?

Para além das questões metafísicas e científicas, gradualmente agigantaram-se questões de ordem moral e espiritual, e isso começou a ocorrer já durante o curso de medicina. O contato e as conversas com os pacientes lhe deram grande consciência da importância da fé e a paz que ela traz diante do sofrimento e da morte. Aos poucos ficou claro que não se tratava de uma “muleta psicológica” ou uma “fachada cultural”, mas uma força moral e espiritual positiva.

“Um ponto decisivo para mim ocorreu quando uma senhora mais velha, que sofria de uma angina séria e incurável, perguntou-me: ‘no que o senhor acredita, doutor?’ Era uma pergunta pertinente; nós havíamos conversado sobre muitas outras questões importantes relacionadas à vida e à morte, e ela havia compartilhado comigo suas próprias fortes crenças cristãs. Senti meu rosto corar enquanto balbuciava as palavras ‘não sei muito bem’. Sua surpresa aparente trouxe à tona o dilema do qual eu havia fugido durante quase todos os meus 27 anos: eu nunca havia considerado seriamente as evidências favoráveis nem contrárias à fé.” (R. J. Berry, Org, Verdadeiros Cientistas, Fé Verdadeira. Ultimato, 2016, p. 112).

Segundo o Dr. Collins, a conversa relatada por ele “o atormentou”, e dali em diante ele se viu obrigado a examinar de perto, não apenas indícios a respeito de Deus mas, após uma visão geral das grandes religiões do mundo que o deixou completamente confuso, as evidências a favor do cristianismo. E essa segunda exploração se deu a partir de um encontro com o livro “Cristianismo Puro e Simples” (Mere Christianity) de C. S. Lewis.

A leitura desse clássico teve papel crucial para Collins, que foi assim apresentado ao “argumento moral” de Lewis. Com o classicista de Cambridge, também convertido do ateísmo ao Cristianismo, Collins compreendeu que a experiência do certo e do errado, que funda a moralidade, tem uma estrutura sólida e universal para além das relatividades culturais, não havendo então apenas uma ordem cósmica racional, mas uma ordem moral racional, uma “lei da natureza humana”; e isso sugere a existência de um criador-legislador pessoal e moralmente bom. Por mais que a ideia o desagradasse, o Teísmo claramente integrava muito melhor os fenômenos da ordem natural e da personalidade moral do que o ateísmo.

Depois de dois anos de luta interna, e de experiências desafiadoras com a fé de muitos de seus pacientes, Collins chegou a um claro reconhecimento de certas verdades fundamentais do cristianismo. Admitiu não apenas a realidade de Deus, mas de sua alienação de Deus – também um ponto enfatizado por C.S. Lewis. O reconhecimento da existência de uma ordem moral e divina trouxe a Collins a aguda consciência de sua própria alienação dessa lei, e de sua culpa moral. Uma culpa que não seria apenas psicológica ou psicossocial, mas objetiva, diante de uma ordem moral cósmica.

E foi nesse momento que Jesus Cristo começou a fazer sentido e atrair sua atenção. Pois o ensino Cristão é exatamente de que há uma lacuna moral entre o ser humano e a divindade que não pode ser cruzada sem um ato de Deus; e sem aquele processo de iluminação dupla, sobre a ordem moral cósmica e sobre o estranho fato de sua alienação moral e culpabilidade, ele não teria sido capaz de apreciar o significado de Jesus Cristo. Ele começou a entender que Jesus seria exatamente esse ato salvador de Deus. Que vivendo entre os homens e morrendo na cruz por nossos pecados, Jesus lançou a ponte entre nós e Deus.

“Num dia lindo de outono, enquanto eu fazia uma caminhada nas montanhas Cascade durante minha primeira viagem ao oeste do Mississipi, a majestade e a beleza da criação de Deus superaram a minha resistência. Quando, ao fazer uma curva deparei-me com uma belíssima e inesperada cachoeira congelada de centenas de metros de altura soube que a busca havia terminado. Na manhã seguinte, ajoelhei-me na grama molhada pelo orvalho ao nascer do sol e entreguei-me a Jesus Cristo.” (Ibid, p.124).

De fato, uma interessante experiência religiosa, combinando ao mesmo tempo, o maravilhamento com a ordem natural e com a narrativa redentiva das Escrituras: uma experiência simultânea com “os dois livros de Deus”.

Em breve Collins estaria contando a todos sua experiência de conversão ao cristianismo, e sendo fortemente advertido de que isso causaria um colapso em sua mente. Afinal, “religião” e “ciência” seriam coisas completamente irreconciliáveis – diziam-lhe. Mas Collins insistiu, e chegou à conclusão de que não há conflito de princípios entre ciência e fé. Isso o tornou uma referência no diálogo moderno de ciência e religião.

O movimento "Sci-faith" e a fundação biólogos

Para Francis Collins fé e ciência constituem duas formas distintas e complementares de conhecer o mundo, uma focada nos processos, no “como”, e outra focada nos fins, no “porquê”. Assim também, na tradição cristã, relembrada nas analogias de Francis Bacon no Novum Organum, temos “dois livros”, o “livro das obras de Deus”, ou livro da natureza, e o “livro das palavras de Deus”, ou livro da Escritura, ambos mutuamente referentes e complementares.

Collins atribui ao fato de não ter um forte background eclesiástico anterior a sua ausência de dificuldades para admitir a harmonia entre evidência científica e teologia da criação. Ele não havia sido formado para acreditar no “criacionismo científico”, e muitas de suas maiores referências de pensamento evangélico, como C. S. Lewis, consideravam o cristianismo compatível com a visão científica darwiniana.

Em 2006 Francis Collins lançou “A Linguagem de Deus: um cientista apresenta a evidência para a Fé”. A obra se tornou um best-seller instantaneamente, sendo publicado em 24 línguas, e gerando extremos de celebração e de intensos debates. O movimento do “neoateísmo” com seu viés fortemente cientificista estava ainda em franca ascensão, e até mesmo o cargo de Collins no Projeto Genoma sofreu questionamentos. Mas nada havia a dizer contra o cientista Francis Collins. Que agora, para o desespero de muitos, era um crente. E um crente muito amigável, que chegou a fazer amizade com Christopher Hitchens, um dos mais ácidos neoateístas.

O argumento central de Collins em “A Linguagem de Deus” é de que o Criador, sendo transcendente e não limitado por tempo e espaço, criou o universo há 13.8 bilhões de anos com seus parâmetros precisamente ajustados de modo a permitir o desenvolvimento de complexidade e beleza ao longo de largas extensões de tempo. Assim nosso autor não apenas aceita a existência de “deep time”, ou “tempo profundo”, mas de uma natureza fértil, operando a partir de condições pré-estabelecidas. Isso significaria que o “mecanismo” evolutivo, suficiente para gerar a diversidade biológica que conhecemos e, eventualmente, o próprio ser humano, estaria dado nas condições iniciais do universo, em um plano criativo divino. O DNA humano, com sua complexidade e inter-relação com o DNA de outras criaturas, testemunha não apenas de nossa dependência desse processo evolutivo comum, mas também da elegância e fertilidade do plano criativo original.

Eventualmente, “na plenitude do tempo”, Deus teria concedido a seres biologicamente humanos, gerados através do mesmo processo evolutivo que produziu toda a biodiversidade terrestre, um dom muito especial: a consciência, incluindo a capacidade da liberdade e o sentido e a responsabilidade moral. Esse ato especial do Criador corresponderia ao relato de Gênesis, quando se diz que Deus conferiu ao ser humano a sua imagem e semelhança. Esse status especial torna o ser humano muito mais do que um animal inteligente.

E essa condição especial tanto explica a possibilidade de alienação e de queda no pecado, como é relatado nas Escrituras, e que está na origem da culpa universal, quanto a necessidade de um ato divino de reconciliação, que eventualmente ocorreu com a manifestação de Jesus Cristo.

Recusando tanto o naturalismo metafísico ateu, quanto o “criacionismo científico”, e recusando igualmente a “teoria do Design Inteligente”, Francis Collins chama a sua própria síntese de “BioLogos”: ou vida através do Logos, Deus trazendo vida por meio de sua fala e de sua mente. A partir dessa ideia central Collins reuniu cientistas, filósofos e teólogos cristãos na criação da Fundação “BioLogos”, que promove o estudo e a divulgação científica sobre a harmonia entre a ciência biológica moderna e a fé Bíblica. Em 2009 Collins deixaria a BioLogos para assumir a direção dos NIH, mas segue apresentando palestras e entrevistas sobre os temas sci-faith.

O prêmio

Com tal jornada surpreendente, reunindo sucesso científico e profunda religiosidade pessoal, Collins já era um candidato potencial ao prêmio Templeton. Meu palpite, no entanto, é que a Pandemia da COVID-19 elevou para a estratosfera a relevância de sua carreira. Pois exatamente esse homem, com sua história pessoal, pode ser considerado hoje um dos mais importantes, senão o mais importante do mundo na estratégia de enfrentamento à doença, coordenando uma agência de pesquisa de saúde de 39 bilhões de dólares. E para enfrentar a Pandemia, fé, ciência e sabedoria são indispensáveis.

O prêmio Templeton foi estabelecido em 1972 pelo investidor Sir John Templeton, um visionário e filantropo que estabeleceu também a John Templeton Foundation (JTF), a Templeton World Charity Foundation (TWCF) e a Templeton Religion Trust (TRT), com o propósito de financiar estudos e iniciativas para o progresso humano pela mútua fertilização entre a religião e a ciência. Tanto John quanto seu filho Jack Templeton, ambos já falecidos, vieram de background religioso cristão, sendo Jack Templeton, que tive a oportunidade de conhecer em 2013, um presbiteriano conservador. Mas as iniciativas da família Templeton não se restringem ao cristianismo, no entanto, tendo abordagem pluralista e multirreligiosa, ao mesmo tempo em que respeitosa das particularidades de cada fé. É assim que, por exemplo, no ano passado o laureado foi o físico brasileiro Marcelo Gleiser, sem religião específica, e neste ano Francis Collins, um evangélico convicto.

Mais alto que o Nobel, atingindo 1,3 milhões de dólares, o prêmio Templeton tem o propósito de “celebrar a curiosidade científica e espiritual”. O laureado é sempre alguém cuja obra, em conjunto, contribuiu de forma decisiva e oportuna para o avanço espiritual da humanidade, mas especialmente para a cooperação entre os campos da ciência e da religião. Cinquenta pessoas foram laureadas desde 1972, sendo cinco delas prêmios Nobel, incluindo líderes religiosos como o Arcebispo Anglicano Desmond Tutu, o Dalai Lama, o Rabino britânico Jonathan Sacks, Madre Teresa de Calcutá, o evangelista Bill Bright e o ativista evangélico Charles Coulson; intelectuais e filósofos como Charles Taylor, Alvin Plantinga e Michael Novak; o rei Abdullah II da Jordânia; o genial teólogo escocês Thomas F. Torrance; e muitos cientistas e líderes no diálogo de fé e ciência, como os físicos Paul Davies e Freeman Dyson, John Polkinghorne, Arthur Peacocke, Carl F. von Weizsäcker. Um passeio pelos nomes e realizações científicas, éticas, sociais e políticas dos laureados é uma experiência inspiradora que expressa muito bem os valores de Sir John Templeton, no sentido de dar visibilidade ao melhor que os seres humanos têm sido capazes de cultivar.

A ciência e o futuro do evangelicismo

Sendo o cientista mais influente na resposta dos EUA à Pandemia e ao mesmo tempo um evangélico, o Dr. Collins sofreu o impacto direto do questionamento sobre as crenças e comportamentos dos evangélicos diante da Pandemia.

Pouco antes de receber o prêmio ele participou de uma live com o pastor evangélico presbiteriano Timothy Keller, organizada pela fundação BioLogos, sob o título “Onde está Deus na Pandemia?”. Keller é muito lido e ouvido por evangélicos Brasileiros, e a live teve boa recepção por aqui. Na transmissão o Dr. Collins celebrou o fato de muitos americanos haverem tomado providências de prevenção à Pandemia sem a necessidade de “um governo autocrático” obrigando todos a fazê-lo, e deixou bem claro ser a favor das quarentenas e das medidas de isolamento social. Comentou os enormes esforços de pesquisa de vacinas, com os quais está diretamente envolvido, e lamentou o fato de cristãos evangélicos aceitarem e promoverem teorias conspiratórias nesse campo.

Noutra entrevista concedida à BBC, logo depois do anúncio do prêmio (a partir de 30’), o Dr. Collins foi questionado diretamente sobre o fato de muitos “fundamentalistas” verem a Pandemia como um juízo divino. Ele admitiu ter dificuldades para ver a coisa dessa forma, mas teve o cuidado de colocar a questão no contexto mais amplo da pergunta teológica sobre o sofrimento humano, enfatizando que Deus não promete que não teremos sofrimentos, mas que estará conosco para nos socorrer, citando o Salmo 46.

Quanto a prioridades no enfrentamento da Pandemia, e particularmente quanto ao fato de autoridades e o presidente dos EUA muitas vezes ignorarem o conhecimento científico mais seguro para dar “saltos de fé” no tocante a expectativas de tratamentos, remédios e prazos, o Dr. Collins asseriu, com toda a coragem, que seu propósito é defender e apresentar a verdade dos fatos, mesmo quando os fatos não são bem vindos por algumas pessoas, incluindo o próprio presidente dos EUA. Realmente, como se sabe, os NIH tiveram importante papel no sentido de orientar o governo dos EUA a abandonar o negacionismo científico e tomar providências contra a Pandemia.

As posições de Collins a esse respeito são muito bem representadas por Deborah Haarsma, presidente da fundação BioLogos, criada por Francis Collins, num artigo recente, que foi traduzido e publicado no site da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência:

Quando nós da BioLogos priorizamos as visões de consenso da comunidade científica credenciada, não o fazemos porque achamos que qualquer cientista é infalível. Fazemos isso precisamente porque sabemos que não são. Os processos minuciosos da comunidade científica, desde uma rigorosa revisão por pares até questionamentos pontuais em uma conferência científica profissional, não teriam razão de existir se os cientistas (pelo menos coletivamente) não estivessem conscientes de sua própria capacidade de cometer erros e de ignorar explicações concorrentes. E embora nenhum desses processos sejam, por si só, garantias de infalibilidade, eles são os melhores métodos que temos para eliminar erros e concordar em torno das explicações científicas mais prováveis de serem verdadeiras. O que é incrível sobre a ciência é que ela está continuamente se autocorrigindo. Erros científicos são corrigidos por outros cientistas — quase nunca por um comentarista de poltrona sentado na frente de uma webcam. (Haarsma, Sump & Buller, Para Além de ‘Plandemic’: Uma resposta cristã às conspirações, 2020).

A atitude de Francis Collins não deve ser vista como uma excepcionalidade, ainda que uma parcela importante do evangelicismo, tanto nos EUA quando no Brasil, apresente evidentes dificuldades no trato com a ciência. O fato é que há evangélicos de relevância diretamente envolvidos com a promoção da boa ciência e do bom senso, e particularmente com a conscientização das comunidades cristãs, e o momento atual demanda esforços renovados de diálogo sobre os campos da fé, da ciência e da política, como já tratamos aqui na Gazeta.

O negacionismo científico, o conflito de fé e ciência, a ética utilitarista e a credulidade frente a teorias conspiratórias não representam, nem o espírito do evangelicismo nem, muito menos, do cristianismo. E dado o fato de que evangélicos são em muitos aspectos pessoas comuns, sujeitas aos efeitos da má educação e da manipulação política, não será pela via do ataque público e da evangelicofobia que se obterá uma comunidade cristã mais simpática à ciência e mais comprometida com o bem comum, mas através da valorização de pessoas que demonstram sabedoria no equacionamento dos diversos bens humanos, e especialmente da ciência e da fé.

Não apenas Francis Collins é um exemplo, nesse sentido, mas a própria iniciativa e visão de Sir John Templeton, pelo que devemos ser gratos ao Deus da fé e da Ciência.

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