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Há quem esteja empolgado com o processo constituinte que se inicia no Chile. Afinal de contas, a carta magna do país vizinho é oriunda da ditadura de Augusto Pinochet e seria necessário superá-la para concluir de fato o ciclo de redemocratização que se iniciou em 1990. Apesar de ser inequívoca sua origem autoritária, a Constituição chilena foi abraçada pelos governos democráticos e sendo paulatinamente modificada ao longo dos últimos trinta anos de maneira a ser também o documento representativo de um regime de liberdades políticas. Só ano passado, em meio ao governo de centro-direita de Sebastian Piñera, é que ela, surpreendentemente, passou a ser incomoda aos olhos de alguns. Pelo menos para aqueles interessados em subverter a ordem e praticar a destruição de patrimônio público e privado em nome de suas causas.

Nova constituição do Chile

Desde meados de 2019, protestos violentes se tornaram corriqueiros no Chile. Eles começaram, assim como os do Brasil em 2013, em virtude da alta no preço do transporte. Uma onda de vandalismo e depredações varreu Santiago e outras regiões do país como Valparaíso e Concepción, deixando mortos, veículos, ruas e propriedades em chamas. No último mês, essas cenas se repetiram com força. Mais de 10 mil policiais foram mobilizados na capital no esforço de conter os manifestantes. Mesmo assim ocorreram saques, barricadas, enfrentamento com as forças de segurança e ataques feitos a edifícios. Nem mesmo templos religiosos foram poupados.

A Paróquia de Assunção, localizada em Santigo, foi incendiada. Enquanto um mascarado tremulava uma bandeira pichada em sua frente, a torre da Igreja ardia em chamas até desabar, para delírio dos responsáveis pelo crime.

Por certo, há um “vício de origem” na atual Constituição chilena, como bem descreveu o editorial da Gazeta do Povo, mas isso não significa que a mudança pretendida, da forma como se deu, também já não tenha produzido outro vício de origem para a futura Carta. Se a de hoje foi escrita por um ditador, a próxima surge como uma construção casuística, ideológica, beligerante e imposta por meio de bombas e coquetéis molotov.

O movimento que se desdobra no Chile desde o ano passado tem claras características revolucionárias, e em muito se parece com o que os Antifas tentam fazer (ainda sem sucesso) nos Estados Unidos.  Aqueles que estão nas ruas a praticar atos de selvageria visam o que, afinal de contas? Os alvos deles são claros: empresas que representariam a economia de mercado, instituições que consideram opressoras e até mesmo religiões identificadas com o que chamam de colonialismo europeu. A nova Constituição, mais do que um marco legal, carregaria o simbolismo da refundação contra tudo isso. Seria como trocar de país. O velho Chile, herdeiro de Pinochet, das elites e do capitalismo liberal daria lugar a um novo Chile, com mais direitos, distribuição de renda e um portentoso Estado de bem-estar social.

Ainda em junho, comentei sobre os ataques perpetrados contra estátuas de figuras históricas. Escrevi na época que os protagonistas destes atos “não são defensores da inclusão social e do igualitarismo, são apenas vândalos que usam o sentimentalismo tóxico como combustível para seus atos criminosos”. Faço um adendo aqui: tão pouco são democratas. E da mesma forma é possível caracterizar seus pares que tocam o terror nas ruas do Chile.

Constituição não é roupa íntima para ser trocada a todo o momento. Nunca se sabe como a próxima será. Processos constituintes, ainda mais ao sabor dos ventos, são extremamente delicados. E, a depender de suas inspirações, podem ser também muito perigosos. No geral se justificam quando precedidos de rupturas institucionais. Não é o caso do Chile, que vive a plenitude do exercício da cidadania. O que sobra ali é a negação de tudo, o ato diruptivo em si. Uma lei maior firmada nos escombros de Igrejas profanadas nasce como um chacal a sair de um ventre humano.

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