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O anúncio da saída dos Secretários Especiais Paulo Uebel e Salim Mattar do Ministério da Economia motivou a deputada Joice Hasselmann a afirmar que o governo “trocou de pele”, abandonando “a agenda liberal que lhe trouxe tantos votos”. Com a devida vênia, a parlamentar está errada. Primeiro, porque não é possível deixar de ser o que nunca se foi, e, segundo, porque o liberalismo não dá tantos votos assim como ela supõe. Bolsonaro não trocou de pele, ele carneou o liberalismo de modo a usar seu couro para aparentar modernidade durante a eleição. Nunca deixou de ser um terraplanista econômico. Parafraseando Winston Churchill: ele é um estatista em pele de estatista, apesar da carcaça ideológica alheia cheirando mal por cima.

A ilusão com uma agenda reformista, entretanto, aconteceu de verdade. Afinal, Paulo Guedes havia aderido e teria carta branca para implementar suas ideias. Pelo menos assim foi dito. Na prática política, entretanto, a palavra final é sempre do eleito. Luiz Mandetta e Sérgio Moro que o digam. E em matéria  econômica, Bolsonaro, como sabemos, sempre esteve junto com a esquerda, se opondo aos projetos que buscavam diminuir o governo, dinamizar a burocracia e acabar com privilégios. O capitão reformado sempre foi um corporativista de cinco estrelas, seja fardado, seja na tribuna na Câmara dos Deputados.

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Segundo Paulo Guedes, a alegação de Paulo Uebel para o pedido de demissão foi sua inconformidade com o adiamento da Reforma Administrativa. Mas com um governo lotado de militares, o que poderia se esperar? Ou as Forças Armadas seriam incluídas no pacote de mudanças pretendidas? O retrospecto do governo nesse particular é de amenizar para turma verde-oliva e congêneres. Um dos destaques da Reforma da Previdência foi acordado pelo próprio presidente em benefício da categoria da segurança pública, que é influente em seu governo. Já o projeto de Reforma Previdenciária dos militares foi muito abaixo do que eles representam no déficit da seguridade social. Não apenas perderam menos como foram presenteados com uma reestruturação nas carreiras que gerou ganhos imediatos em seus soldos.

Por sua vez, Salim Mattar reclamou do andamento das privatizações, que foram reiteradamente prometidas por Guedes. Até aqui, tudo se resumiu a golpes de retórica. Certa feita o Ministro da Economia disse que os ativos estatais poderiam render até R$ 1,25 trilhão. Lá se vão quase dois anos do mandato de Bolsonaro e nenhum programa consistente de desestatização foi apresentado. Em entrevista para a CNN Brasil, Salim Matar garante que deixou um pipeline de 14 empresas públicas a serem vendidas. PowerPoint por PowerPoint, Braga Netto e seus colegas do generalato preferem o do programa Pró-Brasil.

A verdade é que é difícil ser liberal. Reformar, afinal, é articular, buscar entendimento, mirar no longo prazo e comprar desgastes com setores e grupos influentes. Esse não é o terreno de Bolsonaro, que sempre preferiu exercitar o moralismo xucro em programas de auditório e que, agora, obrigado a gastar pela circunstância da pandemia, descobriu o quão mais fácil é fazer discurso eleitoreiro anabolizado pelo auxílio emergencial e por obras de apelo social.

A promessa de um Brasil grande dialoga bem com o posicionamento histórico e a natureza populista de Bolsonaro. A você que me acompanha uma pergunta: o presidente se sente mais à vontade falando de teto de gastos ou sendo chamado de “mito” enquanto passeia a cavalo em meio ao público nordestino?

Paulo Guedes, mais do que qualquer outro, sabia onde estava se metendo. Penhorou a palavra liberalismo em troca de um cargo que lhe desse o prestígio sonegado ao longo das últimas duas décadas. Pelo menos ele pensa assim. Esse ressentimento, alias, ficou muito claro quando da entrevista em que despejou boçalidades sobre o Plano Real.

Apesar de ter tido sucesso extraordinário no mercado, Guedes nunca foi um formulador. Ser Ministro da Economia lhe possibilitaria estabelecer os marcos do desenvolvimento brasileiro sob um prisma que não o do intervencionismo. O problema é que ele achou que isso seria possível no governo de um sujeito reacionário e avesso à modernização. De modo que a “Agenda Guedes”, como ficou conhecida, virou instrumento de puro proselitismo e acabou por permitir o sequestro do ideário liberal pelo bolsonarismo, que o usou para ganhar algum prestígio e agora o descarta de modo a buscar a reeleição.

Além de Uebel e Mattar, também deixaram o Ministério da Economia outros nomes de peso, como Mansueto Almeida, Rubens Novaes e Caio Megale. O enfraquecimento de Paulo Guedes com o desmanche de sua equipe é simbólico de um governo que faz uma inflexão irresistível ao desenvolvimentismo. Fica escancarado o estelionato eleitoral supostamente liberalizante, que prometeu vender tudo, mas que no fim das contas só conseguiu parir uma nota de R$ 200.

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