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Bolsonaro está em franca ascensão. É o que mostram duas importantes pesquisas de opinião divulgadas recentemente. Na primeira, do Datafolha, o presidente subiu cinco pontos percentuais na avaliação positiva (de 32% para 37%), e caiu dez pontos no índice de rejeição (de 44% para 34%). O outro levantamento é da XP/Ipespe, e os números são parecidos. Nela, a avaliação positiva do mandatário foi de 30% para 37%, enquanto a negativa caiu de 45% para 37%. Comemoração nas hostes bolsonaristas e silêncio catatônico na oposição.

A repórter Amanda Audi, do site The Intercept Brasil, chegou a dizer que o resultado do Datafolha representava um “choque de realidade necessário”, e admitiu que ela e outros estão em uma “bolha” de “críticas, indignações, lacrações”.

Em um comentário anterior aqui na Gazeta do Povo, sobre como o youtuber Felipe Neto havia alcançado a condição de líder informal da oposição de esquerda, afirmei que havia um divórcio desse campo político com a realidade, e que a população estava interessada em problemas concretos como violência, falta de emprego e manutenção da estrutura familiar. Até aqui, goste-se ou não do que ele diz ou pensa, só Bolsonaro tem um discurso mais ou menos coeso em relação a essas e outras questões. Disse na coluna: “uma fatia considerável, e talvez majoritária, de nossa sociedade, não veja alternativa viável ao que está aí, seja pela esquerda, seja pelo centro”.

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Sim, é importante destacar que Bolsonaro encampou o discurso com apelo popular. O fez montado principalmente no auxílio emergencial, que alcançou uma fatia considerável dos brasileiros, principalmente os mais pobres. Os R$ 600 mensais representam um valor muito superior ao que é pago pelo Bolsa Família, além de ter uma abrangência mais ampla. Esse programa de renda permitiu que, em plena pandemia, o país chegasse ao menor nível de miserabilidade de sua história, gerando melhora no padrão de vida em cerca de 23 milhões de lares. É claro que um resultado desses tem reflexos políticos e impactam na aprovação do presidente. Mas será que apenas isso explica os indicadores positivos de Bolsonaro?

Além da entrega de obras e criação de programas sociais, que são facilmente perceptíveis pelo conjunto da sociedade, o presidente vem sendo beneficiado pela vitória de seu discurso político, que é dividido em três eixos, todos eles conexos.

O primeiro eixo é o da volta à normalidade e reabertura econômica. Há um evidente cansaço do noticiário da pandemia e também da ideia de isolamento social. De tal modo que as pessoas voltaram às ruas e o registro de mortes diárias, apesar de estacionado em um patamar altíssimo, passou a ocupar o espaço de rodapé nos destaques do dia. A anormalidade foi normatizada a partir do convencimento de que a doença é um fato dado com o qual teremos de lidar. “Vamos tocar a vida”, disse Bolsonaro na véspera de atingirmos a marca de 100 mil vítimas. E é isso que a maioria está fazendo, apesar do risco gigantesco.

O segundo eixo é o da responsabilidade pela situação atual. Um dos dados mais interessantes da última pesquisa do Datafolha é que apenas 11% dos entrevistados apontam Bolsonaro como principal culpado pela pandemia. 47% acham que ele não tem culpa nenhuma. E, apesar de muitos acharem esse resultado surpreendente, faz todo o sentido. As decisões do STF que garantiram autonomia para Estados e Municípios especificarem graus maiores de restrições sociais também acabaram por blindar o presidente, que imediatamente passou a dizer que estava impossibilitado pelo Judiciário de tomar medidas. Ficou na confortável situação de repassador de recursos. De modo que o efeito da pandemia na atividade econômica e na vida social acabou colando nos governadores e prefeitos, que passaram a ser vistos como inimigos dos empresários, autoritários e corruptos. Os causadores da crise, portanto.

Por fim, também colou o discurso do “remédio do Bolsonaro”. A cloroquina caiu literalmente na boca no povo, insuflada pelo presidente em atos públicos. Apesar das pesquisas mais precisas mostrarem que ela não é eficaz contra o coronavírus, o apelo aqui se dá no campo da fé. A falta de um tratamento específico para uma doença que se dissemina com rapidez abre o flanco para o messianismo em busca da cura, que é explorado pela propaganda de um remédio que é vendido na base do “se não tem tratamento, vai esse” e do  “afinal, alguns médicos dizem que funciona”. E não é preciso de mais do que apenas alguns médicos para se darem ares científicos ao que é mera presunção desprovida de evidências.

Em resumo, a narrativa de Bolsonaro é muito simples: consiste em dizer que o cenário atual lhe foi imposto pelo STF, pelos governadores e pelos prefeitos, e que a única coisa que ele pode realmente fazer é tentar compensar tudo usando recursos públicos. O endividamento do país, o fechamento de empresas e o desemprego, portanto, seriam culpa dos outros, que impediram o país de decolar. Até as mortes seriam evitadas se o protocolo da cloroquina, que ele tanto defende, fosse adotado uniformemente.

Some as ações tangíveis com um discurso que tem verossimilhança e apelo popular e você terá um forte conjunto de fatores que permitem a consolidação do senso comum de que Bolsonaro tem razão e está fazendo o que pode, apesar de muitos tentarem lhe atrapalhar. É claro que isso é falso, mas o que importa é a percepção que se criou na cabeça das pessoas. E nisso Bolsonaro e seus aliados estão sendo muito bem sucedidos.

Conteúdo editado por:Rodrigo Fernandes
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