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Em entrevista ao programa GloboNews Debate, o digital influencer Felipe Neto disse com todas as letras: “eu não sou um político eleito e não pretendo ser”. Em outras palavras: ele não vai disputar cargos em eleições. Essa resposta, entretanto, é reveladora da importância que o youtuber tem na cena pública brasileira, principalmente porque alcança um número muito grande de jovens em seus canais. Depois de uma entrevista no programa Roda Viva, ele gravou comentário para o jornal The New York Times, foi capa da revista Isto-É, participou de um debate com o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, e foi convidado pelo Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia a debater o projeto de lei das fake news. Apesar de não ser candidato, ele tem a agenda digna de um.

E sejamos francos: na prática, apesar de não ser militante partidário, Felipe Neto assumiu a liderança política da oposição de esquerda ao bolsonarismo. Acabou ocupando o vácuo deixado por outros nomes famosos. Lula continua preocupado mais com suas condenações e processos do que com a situação do país, Fernando Haddad sumiu porque nunca teve a menor importância, e Ciro Gomes não consegue convencer seus companheiros de que é confiável. O resultado objetivo é que o campo ideológico representando por essas figuras acabou fragmentado, sem eixo aglutinador e discurso coerente. Qual é a proposta deles ao Brasil? Eis um mistério.

Felipe Neto também não tem projeto de país. Ele rejeita o bolsonarismo porque assumiu uma posição francamente progressista, e passou a manifestá-la a partir do Twitter. Com o clima de conflito institucional fomentado pelo Planalto e o caos gerado pela pandemia, suas opiniões acabaram reverberando ainda mais, principalmente junto aos grupos que protagonizaram o movimento “Ele Não” em 2018.

Apesar da capacidade comunicativa invejável e seu público nas redes sociais, o fato é que Felipe Neto expressa opiniões que continuam sendo rejeitadas ou ignoradas pela maioria da população. O movimento “Ele Não” falhou miseravelmente em seu propósito de evitar a eleição de Bolsonaro porque não compreendeu o que se passava na sociedade e subestimou a capacidade do atual presidente em verbalizar esse sentimento.

A ideia de que todo eleitor e apoiador de Bolsonaro é um fascista ou um manipulado por informações falsas é a gênese do divórcio da esquerda com a realidade. E é esse tipo de visão pedestre que baliza muitas das opiniões de tipos como Felipe Neto. Ao contrário do youtuber, o cidadão médio não é politizado e está interessando nos assuntos que dizem respeito ao seu cotidiano. Para ele o que importa não são as “fake news”, educação digital ou mesmo a vocação fascistoide do governo, e sim o problema da violência, da falta de emprego e da manutenção da estrutura familiar.

Veja o caso de Ricardo Roriz, cidadão que foi alvo de uma interessantíssima análise de Leandro Narloch na Folha de São Paulo durante a última eleição. Formado em educação física, Roriz já votou em Lula, Dilma e Aécio. Virou apoiador de Bolsonaro e tatuou o rosto do presidente em sua perna direita e o slogan de campanha “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” nos braços.

Questionado se essa mudança de posição não seria estranha, Roriz respondeu com tranquilidade justificando que inúmeros de seus amigos haviam feito o mesmo que ele. E é bem provável que isso também sirva de parâmetro para outros milhões de brasileiros desinteressados em teses políticas de esquerda e direita, mas que viram em Bolsonaro um político que, assim como Lula no passado, falasse a sua linguagem.

Enquanto Felipe Neto acusa Bolsonaro e seus apoiadores de propagarem o discurso do ódio, o presidente viaja pelo país visitando obras e montado no auxílio emergencial, programa de renda mínima com gigantesco apelo junto aos menos favorecidos. Em Campo Alegre de Lourdes, no interior da Bahia, inaugurou um sistema de abastecimento de água. Também participou de um evento público com grande adesão em São Raimundo Nonato, no Piauí. Depois foi ao Rio Grande do Sul numa cerimônia de entrega de casas populares.

Bolsonaro também aposta no apelo da reabertura econômica, apesar do descontrole do coronavírus. E, mesmo isso sendo relativo ao negacionismo que ele professa, trata-se de um discurso poderoso. Afinal, quem vai defender o desemprego e o fechamento de negócios? Para viabilizar essa retórica, se escuda na narrativa de que o STF o impede de tomar ações objetivas, e afirma que as medidas de isolamento não impediram as milhares de mortes. Pode soar uma indecência para quem conhece a situação, mas eu pergunto: seria difícil emplacar esse discurso junto ao eleitorado? Me parece que não.

Goste você ou não do governo, o fato é que, na atual circunstância, uma fatia considerável, e talvez majoritária, de nossa sociedade, não veja alternativa viável ao que está aí, seja pela esquerda, seja pelo centro. E, certamente, não serão imitações de foca ou pautas que cativam apenas bolhas de lacração a mudar isso. A oposição felipenetista está fadada ao fracasso.

Conteúdo editado por:Rodrigo Fernandes
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