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A crença no direito e o direito à crença
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Jair Bolsonaro foi mesmo inconveniente ao sugerir que chegou a hora de um evangélico no STF? O critério, por óbvio, não deveria ser esse. Bastaria que o próximo indicado tivesse o hábito de respeitar a Constituição, e não inventar uma outra no ato de julgar. É incrível, mas acontece. Também seria bom que fosse cego aos acenos políticos e surdo à voz das ruas, porque direito não se faz com apelos afetivos, identitários, justiceiros ou imediatistas. O direito que importa, o direito oportuno, não é o direito oportunista.

Muita gente chiou. Primeiro, porque já há cristãos (cada um a seu modo) no STF. Segundo, porque há uma implicanciazinha com o cristianismo nesses meios de gente fina, sincera e elegante. Terceiro, porque há temor de que a fé de um ministro se misture à sua fé no direito. Bobagem. Temos uma criteriologia da decisão. Temos a lei e os limites semânticos da lei. Temos o processo e a Constituição. Isso é o que deve ser exigido: notório saber jurídico e reputação ilibada. Para isso serve ou deveria servir a sabatina.

Um juiz cristão não pode inventar uma decisão “cristã”, nem decidir conforme a sua consciência. Um juiz ateu, idem. Existe maneira de decidir o direito civil de acordo com a umbanda? O direito penal segundo o budismo? O direito do trabalho conforme o agnosticismo? Que eu saiba, não. O que existe é maneira errada, ruim, desqualificada, antijurídica de decidir. Em suma: precisamos de bons juízes, que julguem direito o direito. Queremos outro direito? Façamos outro. Para isso serve ou deveria servir o Legislativo.

Seja como for, reclamemos da falta de tato de Bolsonaro, se quisermos; eu também reclamo. Ele fala quando não precisa falar e antecipa intenções que podem se voltar contra ele. Mas não nos esqueçamos de que essa falta de tato não é inédita em presidentes. A crônica política registra: Joaquim Barbosa foi indicado por Lula (via Frei Betto) porque já era tempo de haver um negro no tribunal. Competente ou não, a nota de corte foi essa: cor da pele. Representatividade.

Ocorre que STF não está lá para representar a população (papel dos cargos eletivos), mas para dizer bem o direito – coisa que já lhe parece difícil fazer. Direito não tem (não deveria ter) cor, classe, religião, gênero. (Sim, eu sei, para os neomarxistas, tudo o que o direito tem é cor, classe, religião e gênero. Outra história.) Um juiz que julgue influenciado pela ideia de que a cor da pele importa na decisão é tão equivocado quanto aquele que decide por causa da crença. Ou do gênero. Ou da classe. Ou até das boas intenções.

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