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Reprodução| Foto: Carolina Antunes/ PR

O crescimento exponencial do número de infectados, internados e mortos pelo coronavírus só não é maior que a quantidade de desinformações, besteiras e horas perdidas que se acumulam sob o tapete ideológico de Jair Bolsonaro e a esquizofrenia ministerial de Luiz Henrique Mandetta.

Recapitulemos.

Até semana passada, o presidente fazia pouco caso da gravidade da doença. Ora debochava, ora fingia interesse, ora mudava de assunto e arranjava um jornalista pra atacar.

Convocou manifestações, desconvocou manifestações, participou das manifestações.

Embora sua equipe já conte com 22 doentes, o que talvez lhe confira o ingrato título de maior e mais unida comunidade de infectados do país, o Messias dizia estar bem, obrigado, pronto até para a peste negra.

Eis que, no tocante à questão do vírus, a certeza virou dúvida.

Com a gravitas que lhe é de costume, e a dignidade do estadista que é desde o berço, especulou que “talvez tenha sido infectado”, o que novos exames averiguarão, mas que “não será uma gripezinha que o derrubará”.

O mundo enfrenta a mais assustadora pandemia em muitas décadas, 200 e tantos mil casos confirmados, 10 mil mortos enterrados, e Bolsonaro chama o evento de...

“gripezinha”.

Enquanto isso, o rigorosamente técnico ministro assume que o sistema de saúde brasileiro entrará em colapso em poucos dias, que a curva de contágio (e consequentes mortes) terá seu pico em julho e que a situação terá fim ou queda brusca somente em setembro, tempo suficiente para preparar o peru de Natal que, ao contrário de nós, não costuma morrer na véspera.

Pois o ministro afirma tudo isso para, em seguida, diante da repercussão um tiquinho inamistosa da audiência, medir o peso de cada palavra e recalibrar a preocupação. Tudo depende de o povo seguir as diretrizes do governo. Quais serão elas? Nem o governo sabe. Numa entrevista o ministro enfatiza a seriedade, noutra entrevista o presidente minimiza o perigo.

A continuar nessa toada, uma mão suja a outra.

E agora eu já não sei em quem acreditar: no Mandetta técnico ou no Mandetta político? No ministro que diz a verdade ao povo ou no ministro que adapta a verdade ao governo? No que afirma com objetividade ou no que desconversa com sutileza? No primeiro Mandetta, como o Wittgenstein do Tratactus..., ou no segundo Mandetta, mais afeito ao Wittgenstein das Investigações...?

Mistérios.

Pelo sim pelo não, os governadores decidiram tomar providências e fazer o que precisa ser feito, para que o colapso anunciado pelo primeiro Mandetta se transforme no colapso desmentido pelo segundo Mandetta.

Bolsonaro não gostou nadinha.

Ninguém pode fazer bem o que o presidente faz mal. Ninguém deve tomar providências que ofusquem as suas imprevidências. Esbravejou que os governadores extrapolam suas respectivas competências, pois só cabe a ele, a mais ninguém, o mérito de ser incompetente no que compete às competências.

E, já que se falou em extrapolar o que quer que seja, surge no Planalto a ideia, a hipótese, a ilação, a cosquinha, o galanteio, o “pedido de estudo” sobre o instituto conhecido como estado de sítio. Em português: Bolsonaro andou assuntando por aí sobre a possibilidade de se suspender a normalidade institucional para combater a pandemia que ele mesmo chama de gripezinha. Estado de sítio é medida excepcional para tempos excepcionais. Bolsonaro não considera que uma gripezinha seja excepcional, mas gosta de medidas excepcionais. Ele não leva muito a sério a moléstia, mas leva bastante a sério a oportunidade de ampliar e concentrar poderes, como se estivéssemos em plena guerra ou calamidade, e...

...sabe Deus o que ele pretende com isso.

Ah, muito bem, tal como seu obediente ministro, aquele que é técnico na arte de ser político, deu à volta em sua própria declaração e garantiu que não tinha garantido o que fora especulado, e que o estado de sítio “ainda não está no radar”.

Ainda.

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