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"Piazza d'Italia", 1948, Giorgio De Chirico
"Piazza d'Italia", 1948, Giorgio De Chirico| Foto:

Há toda uma bibliografia – na verdade, quase um gênero bibliográfico à parte – a respeito do que se convencionou chamar de “traição dos intelectuais”, expressão que dá título a um livro já clássico do francês Julien Benda.

O tema – e o problema – é a atração dos intelectuais pelo poder político; com o tempo, a atração se transforma em fascínio; do fascínio se converte em sujeição. Que filósofos e cientistas sociais terminem traindo seus leitores e, em especial, sua própria vocação, é questão de tempo e oportunidade.

De maneira geral, no século XX, a denúncia desse pecado era feita por pensadores de direita contra pensadores de esquerda. Muitos escreveram importantes livros sobre isso: o já citado Julien Benda, mas também Ortega y Gasset (A Rebelião das Massas), Karl Popper (A Sociedade Aberta e seus Inimigos), Thomas Sowell (Os Intelectuais e a Sociedade), Roger Scruton (Pensadores da Nova Esquerda), Paul Johnson (Os Intelectuais), Jean Sevillia (O Terrorismo Intelectual), Roger Kimball (Radicais nas Universidades), Raymond Aron (O Ópio dos Intelectuais), José Guilherme Merquior (Michel Foucault – Ou o Niilismo de Cátedra), Mario Ferreira dos Santos (A Invasão Vertical dos Bárbaros), José Osvaldo de Meira Penna (A Ideologia do Século XX). Mais alguém? Ah, sim: Olavo de Carvalho e seu O Imbecil Coletivo.

O magnetismo do poder é quase irresistível (quase, porque o fato é que alguns resistem; questão de caráter). Os intelectuais querem ver materializadas suas elucubrações mentais e, desde Platão, fazer da República a próxima república. Trocam o mundo tal e qual pelo “mundo como ideia”, como dizia Bruno Tolentino, outro denunciador nosso conhecido.

Com a vitória de Jair Bolsonaro, o teatro da intelligentsia reacionária subiu o pano e revelou, sem vergonha nem cuidado, quem era quem e quem queria o quê. Todos os grandes marcos teóricos e éticos defendidos em verso e prosa pelo bom conservadorismo – limitação do Estado, prudência, ceticismo político, debate livre, consciência individual – foram rapidamente trocados por cargos, indicações, salamaleques, respeitinhos, cumprimentos, reverência, espírito de grupo, reações de tribo.

Intelectuais e jornalistas à direita baixaram a guarda, calibraram as críticas, edulcoraram o discurso, envernizaram as frases, ajustaram as análises, fecharam os olhos, taparam os ouvidos, apararam as arestas da irreverência e, por fim, tiraram os sapatos para não sujar a sala de controle do poder. Tudo em nome da causa, ainda que a causa tenha mudado de nome.

A traição é a mesma; só mudaram os traidores.

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