• Carregando...
Portão principal de Auschwitz I, onde se lê a frase “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”) Fonte Wikipedia
Portão principal de Auschwitz I, onde se lê a frase “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”) Fonte Wikipedia| Foto:

Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la, disse o filósofo Edmund Burke. Isso é verdade, mas não é toda a verdade. Ao menos, isso não basta. Apesar das ilusões do Iluminismo, a experiência demonstra que conhecimento não se converte em virtude.

Antes, há quem se ocupe de conhecer detalhadamente a história com o propósito deliberado de repeti-la. Cadáveres insepultos têm inspirado sepulcros caiados, e regimes totalitários inspiram-se uns nos outros, no conteúdo ou no método. O lema parece ser: é errando que se aprende a errar.

Setenta e cinco anos depois da libertação de Auschwitz, voltamos a discutir, a sério, a emergência do fascismo como possibilidade política e com apelo popular. Discursos xenófobos e preconceituosos ganham destaque no arremedo de debate eleitoral que se ensaia, mundo afora. Não são focos insignificantes em países periféricos, mas tendência crescente em nações geopoliticamente relevantes.

Por respeito às vítimas, entretanto, é preciso fazer as distinções necessárias: o que se vê hoje não é exatamente o que se viu então. Porém, todo cuidado será pouco.

Hoje, o fascismo engana sob o disfarce de um nacionalismo heroico, de um patriotismo telúrico, nascido democraticamente, como se fora grito do povo diante do globalismo que triunfa. O Davi da pátria contra o Golias da nova ordem mundial.

Conspirações à parte, o arranjo no pós-guerra, embora imperfeito e até certo ponto esgotado, fez muito mais bem do que mal. Pode e deve ser questionado, debatido e, se for o caso, até mesmo reconfigurado. Nenhuma solução vale para sempre. É o que acontece com o Brexit, por exemplo.

Mas não nos esqueçamos de que foram os Estados fortes, militarizados, expansionistas e orgulhosos de si mesmos que provocaram catástrofes como as do nazismo. Não tenho certeza se gosto de um mundo em que corporações e lobbys internacionais tenham mais poder que o voto, mas estou certo de que não gosto daquele mundo em que Estados totalitários foram possíveis.

Na data em que se lamenta-comemora esse triste-feliz episódio, noto que a história pode muito bem ser, tal como a imaginou Giambattista Vico, um fluxo ininterrupto de avanços e recuos, “corsi e ricorsi”, em que o progresso é mais lento e acidentado do que esperamos.

Conhecer nem sempre é reconhecer. Sim, devemos nos lembrar de Auschwitz, diariamente, a cada pleito eleitoral, porque Auschwitz está a um passo de qualquer democracia.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]