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Jorge Luis Borges
Jorge Luis Borges| Foto:

Há quem me peça conselhos sobre como escrever bem, acreditem as senhoras e os senhores. Que perigo. Até hoje procuro quem me ensine. Quando leio Graciliano Ramos, quero escrever sóbrio e pouco como Graciliano Ramos. Quando leio padre Antônio Vieira, quero escrever barroco e muito como padre Antônio Vieira. Só não quero ser padre nem prefeito de Palmeira dos Índios.

Não sei ensinar nada a ninguém – muito menos a escrever. Tenho boa vontade (nos dias bons), gostaria de ajudar (nos dias em que gostaria), mas escrever, tocar piano, pintar quadros, fazer cirurgia, criar filhos não são atividades que se aprendem de uma hora para outra, de um mês para o outro. Muito menos fazê-las “bem”.

A virtude é hábito, o hábito pressupõe tempo e vontade. Eu mesmo sou indisciplinado para quase tudo, e minha formação literária – se é que tenho algo como uma “formação” literária – aconteceu acidentalmente. Mas não me custa nada contar como foi.

Num dado momento da vida, tive dúvidas. Tive curiosidades. Sobretudo: tive certezas e desconfiei das certezas. Queria compreender certas coisas e as certas coisas me levaram aos livros, o que me parecia o caminho natural: se não sei nada, procuro quem saiba. Se não sei responder, pergunto. Daí, muitas visitas em livrarias e, principalmente, nos mais ensebados dos sebos. Eu não tinha dinheiro para gastar com edições novas.

É preciso advertir que sou dum tempo analógico e, para os critérios de hoje, estive mais perto de conhecer Johannes Gutenberg e Thomas Edison do que Steve Jobs e Mark Zuckerberg. Não havia Google nem mídias sociais. Os escritores que eu admirava, quando vivos, estavam distantes como Everests, inacessíveis como a Monica Bellucci.

Isso não me impediu de ler, ler e ler. Eu frequentava os corredores dos sebos à procura dum livro que me levasse a outro. Enquanto forçava a vista para enxergar um volume à minha frente, meu ombro encostava num volume ao meu lado. Não foram raras as vezes em que meu ombro tinha palpite melhor que meus olhos.

O método, quando havia, era simples: se, por exemplo, George Steiner citava Jorge Luis Borges, eu procurava saber quem era Jorge Luis Borges. Se Octavio Paz recomendava Marcel Proust, eu dizia amém e lia Marcel Proust. Se um amigo me indicava Murilo Rubião eu descobria que Murilo Rubião me indicava José J. Veiga.

Assim, a partir de um labiríntico processo que resultava numa bibliografia incidental, aos poucos eu fazia as minhas escolhas, reconhecia as minhas preferências, assumia as minhas rejeições, cultivava os meus preconceitos.

Não existem atalhos. Todo atalho é longo demais para um espírito preguiçoso.

Escreve bem quem lê bem. De preferência, quem lê muito bem. E ler bem é ler muito, sempre, livremente, obrigatoriamente, por prazer e por hábito, por querer e por dever, quando se tem e quando não se tem mais o que fazer. Na leitura, a propósito, pouco importam os gêneros. Na leitura vale tudo. Importa mesmo é a intimidade.

Para não dizer que não falei de guias, indico Como escrever bem, de William Zinsser; A jornada do escritor, de Christopher Vogler; A arte de escrever, de Arthur Schopenhauer; Poética, de Aristóteles; Como e por que ler, de Harold Bloom; Por que ler os clássicos, de Italo Calvino; Formas Breves, de Ricardo Piglia; A arte do romance, de Milan Kundera; Como funciona a ficção, de James Wood; Story, de Robert McKee; O espírito da prosa, de Cristovão Tezza; Escrever ficção: Um manual de criação literária, de Assis Brasil. A lista não é exaustiva.

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