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Ronald Dworkin
Ronald Dworkin| Foto:

por Gilberto Morbach

Para dar continuidade às recomendações de dez obras fundamentais à teoria do direito, é interessante partir de onde paramos. A primeira recomendação — The Concept of Law, de H. L. A. Hart — foi colocada com o objetivo de introduzir o conceito de positivismo jurídico. Hoje, a ideia é apresentar um de seus contrapontos mais significativos.

Trata-se de Taking Rights Seriously [Harvard University Press, 1977], de Ronald Dworkin. Publicado no Brasil pela Martins Fontes, sob o título Levando os Direitos a Sério, o livro é uma coletânea de ensaios que, tomados em seu conjunto, oferecem uma excelente introdução à fase inicial do pensamento jurídico de Dworkin. É em um desses ensaios — The Model of Rules I, ou O Modelo de Regras I — que o autor articula aquilo a que chamou de um “ataque geral” à versão de positivismo jurídico tal como desenvolvida por Hart.

De acordo com Dworkin, o positivismo falha em sua explicação sobre os fundamentos, sobre a natureza própria do fenômeno jurídico, na exata proporção em que não é capaz de descrever a prática jurídica como ela realmente é. A leitura de Dworkin atribui ao positivismo três teses centrais: (i) o direito é um sistema composto exclusivamente por regras que (ii) são regras jurídicas em razão de seu “pedigree” (i.e. os critérios da regra de reconhecimento de Hart, uma prática social); assim, (iii) quando essas regras não oferecem uma solução específica, certa, determinada a um caso concreto, o juiz tem liberdade de escolha para optar por uma das várias soluções possíveis.

Dworkin, a partir dessa leitura, dirá que o positivismo de Hart tem sérios problemas: ao conceber o direito como um sistema de regras, Hart teria ignorado a existência de outro tipo de padrão normativo que existe dentro de um sistema jurídico — os princípios. Não reconhecendo os princípios, diz Dworkin, o positivismo é obrigado a aceitar a discricionariedade judicialcomo um elemento necessário no direito; afinal, em sendo o direito um sistema puramente composto por regras, não haveria nada que vinculasse os juízes em casos difíceis (i.e. casos em que inexistente de forma clara uma regra aplicável ao caso em questão), restando a eles apenas uma atuação como legisladores intersticiais (na expressão do próprio Hart).

Para Dworkin, os princípios são padrões normativos de moralidade política institucionalizados no e pelo direito, responsáveis por conduzir o raciocínio judicial à resposta correta — à one right answer, e não a uma das várias respostas possíveis. Seu principal exemplo que sustenta a tese (e, nesse sentido, suas antíteses ao positivismo) já é célebre: o caso Riggs v. Palmer.

Em Riggs..., a Corte de Apelações de Nova York decidiu que Elmer Palmer, assassino do próprio avô, não tinha direito à herança. A razão de decidir não estava presente em algum estatuto ou precedente — ou seja, não estava em uma regra; pelo contrário. Fosse o direito um sistema composto apenas por regras, a herança seria de Elmer, dado que não havia qualquer regra a proibir que um assassino herdasse de sua vítima caso figurasse em testamento. Mesmo assim, Elmer não pôde herdar. Porque, afinal, havia um princípio, jurídico, que assim determinava: o princípio segundo o qual a ninguém é dado beneficiar-se dos próprios crimes ou atos ilícitos.

Em síntese, portanto, Dworkin pretende derrubar as três teses por ele atribuídas ao positivismo a partir do argumento dos princípios. Aceito esse argumento, teríamos que (i) o direito não é constituído apenas por regras, e que (ii) padrões normativos, para que tenham caráter de juridicidade, não dependem apenas de seu “pedigree” (i.e. um teste de validade que liga a regra à fonte — legislação ou precedente — que a produziu), podendo também depender de seu conteúdo e exigências de justiça (exatamente o caso dos princípios); sobretudo, (iii) na medida em que também os princípios são padrões obrigatórios, o juiz não tem poder discricionário para escolher, arbitrariamente, aquela que lhe parece a melhor decisão. Princípios, como as regras, fazem parte do direito, são vinculantes porque seu conteúdo assim determina, e servem de critério para a decisão judicial igualmente em casos difíceis.

Este, naturalmente, é apenas o começo de um debate que, arrisco dizer, segue vivo até hoje. Cabe ao leitor, seguidas as recomendações desta série, dizer quem levou a melhor. Seja como for, aquele que optar pela leitura de Taking Rights Seriously vai encontrar o início da proposta teorética de Dworkin, em uma obra que, além do positivismo, rebate o utilitarismo nas esferas da filosofia moral e jurídica — oferecendo a ideia de direitos como trunfos individuais, contramajoritários — e propõe discussões mais que frutíferas, abordando assuntos que vão desde interpretação constitucional a teorias da justiça (sobretudo a de John Rawls).

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