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John Gardner
John Gardner| Foto:

por Gilberto Morbach

Até aqui, vimos, em linhas gerais, o desenvolvimento da tradição do positivismo jurídico, o desafio ao positivismo e a concepção própria de Dworkin, e algumas das teorias modernas/contemporâneas inseridas na tradição do direito natural. Seguindo essa trajetória, a recomendação de hoje é de uma obra que, direta ou indiretamente, toca em todos esses assuntos, oferecendo uma oportunidade para revisitá-los todos a partir de uma perspectiva articulada com rigor e sofisticação teórica. Além disso, a recomendação de hoje acaba sendo também — infelizmente — uma espécie de homenagem singela àquele que articulou essa perspectiva com tamanho rigor e tamanha sofisticação teórica: John Gardner, falecido em julho deste 2019, aos 54 anos de idade; professor de direito e filosofia da All Souls College na Universidade de Oxford e autor de Law as a Leap of Faith.

Law as a Leap of Faith é uma obra que faz exatamente o que se propõe a fazer: falar sobre o direito com clareza. O próprio subtítulo da obra já anuncia seu propósito: Essays on Law in General; ensaios sobre o direito em geral. Daí por que a recomendação é oportuna para este momento da série: depois do debate Hart-Dworkin, do positivismo, do jusnaturalismo, ou seja, depois de tantos assuntos densos (e, a meu juízo, absolutamente instigantes), é interessante parar para analisar o que foi visto e, mais, o que se pode derivar, concluir e desenvolver a partir de todos esses debates e todas essas questões que se discutem no âmbito da teoria do direito.

Gardner dizia que são justamente as ideias aparentemente pouco controversas que precisam de mais e não menos escrutínio crítico, uma vez que são essas as teses que acabam sendo aceitas irrefletidamente. É com esse espírito que os ensaios de Law as a Leap of Faith respondem e revisitam as respostas tradicionalmente dadas às igualmente tradicionais perguntas da filosofia jurídica. Quais são as relações entre o direito e a justiça? E entre o direito e a prática de seguir uma regra? Como se deve interpretar as normas que fazem parte de um sistema jurídico? O que são, afinal, constituições e o que elas significam dentro de um sistema de governo? Existe algum tipo especial de justiça dentro de um contexto mais especificamente jurídico? O que significa, afinal, o ideal do rule of law?

Partindo de H. L. A. Hart, mas discutindo igualmente as obras de nomes como Kelsen, Dworkin, Fuller, Gardner desconstrói mitos sobre o positivismo e o jusnaturalismo, explica o que é formalismo, discute a sistematização de ordenamentos jurídicos; reflete sobre legalidade e justiça, sobre ideias controversas e sobre aquelas ideias aparentemente não tão controversas assim. É esse o escrutínio crítico de quem sempre se propôs a discutir, afinal, o direito em geral.

Essa é a marca de John Gardner, alguém que influenciou profundamente a teoria do direito e filosofia jurídica do século xxi ao lançar uma importante luz sobre os argumentos, teses e debates que constituem essa área. Há quem valorize apenas teóricos que desenvolvem propostas e ideias muito próprias e originais; há quem valorize apenas os arquitetos. “Todos querem ser arquitetos filosóficos hoje em dia. Tenho vivido muito bem sendo um encanador”. O que seria da teoria do direito sem encanadores como John Gardner?

(Válida a leitura do belo obituário escrito por Annalise Acorn.)

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