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Foto Luis Macedo AFP
Foto Luis Macedo AFP| Foto:

O Jornal Nacional trouxe a público informações que em alguma medida envolvem o presidente Jair Bolsonaro na investigação do assassinato (político) de Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Em nenhum momento Bolsonaro é tido como suspeito direto de mando ou execução, mas é citado em depoimento. Cabe à polícia apurar com rigor. De acordo com a promotora Simone Sibilio, do Ministério Público do RJ, o porteiro mentiu ou se equivocou.

O presidente, por sua vez, reagiu com invulgar agressividade. Excedeu-se até mesmo para seu padrão já nada comedido. Transtornado, negou qualquer conexão com o crime e, num movimento perigoso, ameaçou dificultar a renovação do contrato de concessão com a Rede Globo. “Vai ter dificuldade”, afirmou, depois de proferir palavrões e subir o tom da voz. Não é a primeira vez que Bolsonaro ameaça asfixiar a imprensa em geral ou algum veículo em particular.

Sejam quais forem (ou não forem) as implicações da família presidencial com as milícias cariocas, e a despeito do caso Marielle, é cedo para afirmar qualquer coisa. Não importa o que cada um de nós pensa ou deixa de pensar sobre a ética do presidente, sobre as amizades de seus filhos, sobre a ideologia subterrânea que os motiva. O que importa, no momento, é que as investigações sejam conduzidas com o máximo de profissionalismo e independência.

É por essas e outras que ilações despropositadas, acusações intempestivas, persecução sem objeto, depoimentos sem credibilidade, sugestões sem provas devem ser atitudes evitadas em toda e qualquer investigação criminal, que precisa apurar fatos; e em todo e qualquer processo civil ou penal, que serve de garantia contrajurisdicional.

Noutras palavras, o processo não é, não deveria ser, instrumento do Estado com o fim de punir ou chegar a qualquer conclusão necessária ou desejável, mas condição de possibilidade da própria pretensão à punição, como se cada critério processual fosse obstáculo de uma exigente corrida em que o Estado tem de atingir a excelência atlética para “merecer” o melancólico prêmio de punir quem quer que seja.

O presidente deve ser tratado com os mesmos benefícios – e a mesma boa-fé – que ele não costuma desejar ou conceder aos outros: a presunção de inocência, as garantias constitucionais, o melhor crivo judicial. Adélio Bispo, de acordo com a polícia, agiu sozinho; Bolsonaro diz, sem provas, que foi a mando de adversário. Marielle Franco foi executada por motivação política, mas sugerem que ela tinha ligações com traficantes. Os exemplos são muitos.

O inquérito policial não existe para punir, mas apurar. O processo não existe para punir, mas para servir de muro de contenção ao ímpeto estatal de punir. O código penal e o código de processo penal não servem para punir, mas para limitar e tornar previsíveis as punições e suas condições. Essa vergonha, essa infâmia, esse despautério que hoje parece tão importante ao presidente é o que qualquer jurista – retifico: qualquer cidadão livre – costuma chamar de... garantismo.

Vivendo, sofrendo e aprendendo.

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