• Carregando...
O ministro de Relações Exteriores,  Ernesto Araújo, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados
O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Igor Sabino é doutorando em ciência política com ênfase em política internacional pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Bacharel e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Membro do Núcleo de Estudos de Política Comparada e Relações Internacionais (NEPI). Recife, Brasil. Alumnus do Philos Project Leadership Institute.

Mesmo com as mudanças presidenciais, comuns aos regimes democráticos, a política externa brasileira costumava se destacar internacionalmente por duas características: a manutenção de certas diretrizes de atuação e a capacitação de seu corpo diplomático. Hoje, não mais. Desde o período eleitoral, Bolsonaro já anunciava o seu desejo em romper com essa tradição, segundo ele, uma herança do lulopetismo. Isso foi reiterado diversas vezes, tanto em seu plano de governo como nos discursos após a eleição, inclusive, no dia de sua posse. Eram bastante comuns as falas de “desmontar o Itamaraty” a fim de supostamente fazer com que a instituição atendesse aos interesses do povo brasileiro e resistisse ao temido “globalismo”.

Após seis meses no poder, o presidente tem começado a cumprir a sua promessa. A quebra de paradigmas teve início a partir da escolha do chanceler. Ernesto Araújo, embora diplomata de carreira, nunca havia chefiado nenhuma missão brasileira fora do páis, sendo, portanto, considerado inexperiente para ocupar o posto mais importante do Ministério das Relações Exteriores. Cargo esse que, apesar de ser uma escolha política, até então, tendia a seguir critérios hierárquicos, sempre que era ocupado por diplomatas. À frente da casa do Barão do Rio Branco, Araújo deu início a uma série de rupturas na orientação da política externa do país, não apenas por buscar um maior alinhamento aos EUA e a Israel, mas também por modificar o próprio curso de preparação de diplomatas, priorizando filosofia em detrimento de outros assuntos mais presentes na política internacional.

Todas essas mudanças foram diretamente refletidas na atuação do Brasil em fóruns multilaterais, gerando grande estranhamento – e até constrangimento – em vários setores da comunidade internacional. O ápice desse “desmonte” da diplomacia brasileira, no entanto, foi a indicação, na última quinta-feira (11/07), do Deputado Federal Eduardo Bolsonaro, filho do próprio presidente Jair Bolsonaro, para ser embaixador do Brasil em Washington. Ao ser questionado sobre suas qualificações para o cargo, o deputado afirmou que já possuía a experiência necessária, uma vez que é fluente em inglês e já fez intercâmbio nos EUA, tendo, inclusive, fritado hambúrgueres no país norte-americano. Araújo, por sua vez, concordou com a indicação, afirmando que ela rompe com um “ciclo vicioso” no Itamaraty, fazendo com que a diplomacia passasse a dar voz ao povo brasileiro.

Mas, que “ciclo vicioso” é esse? Nomear profissionais capacitados, aprovados pelo concurso mais difícil do país e com anos de experiência na defesa dos interesses nacionais? Por que trocar isso por um político cuja aparente legitimidade consiste apenas no fato de ter tido uma votação expressiva em um único estado da federação brasileira? As respostas parecem já estar claras. Para o presidente, a diplomacia é uma instituição descartável. Em um mundo no qual, segundo ele, existe uma guerra civilizacional, cabe ao Brasil unir-se aos EUA de Trump a todo custo. Logo, Eduardo não poderia ser uma escolha melhor.

Nesse sentido, o que importa é que haja reprovação por parte de acadêmicos e diplomatas e aplausos por parte mais fanática de seu eleitorado. Afinal, é o “povo” que deve ter a palavra decisiva sobre política internacional, ainda que não tenha o mínimo conhecimento sobre o tema. Essa, contudo, não é uma ideia nova nas Relações Internacionais. No final da Primeira Guerra Mundial, vários idealistas achavam que os cidadãos comuns agiam de forma racional. Logo, em governos democráticos, todos seriam opostos às guerras, tendo em vista os custos desses empreendimentos. A Segunda Guerra Mundial, no entanto, foi suficiente para mostrar que a realidade é bem mais complexa.

No Brasil, porém, não será preciso muito, como ficou claro com a aprovação do acordo do Mercosul com a União Europeia, no último mês. Basta que Trump não seja reeleito ano que vem. Os culpados serão os mesmos: os globalistas e esquerdistas. Os custos, por sua vez, cairão, novamente, na conta do “povo”. Agora, apenas resta torcer para que o presidente entenda que a política internacional não é um palanque eleitoral.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]