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Groucho Marx
Groucho Marx| Foto:

Com a devida licença, no cardápio de hoje teremos sarapatel metalinguístico.

Entre as muitas críticas ao meu último texto, “Virei monarquista”, uma delas me deixou encafifado. Acusaram, com ares de Émile Zola no affair Dreyfus, o que seria meu “péssimo editorial”. Outro dia, a propósito doutras linhas, sentenciaram: “Que reportagem horrível!”

A relação entre quem escreve e quem lê nunca é das mais amistosas. Primeiro, porque existe o hábito muito humano de criticar, mais do que de elogiar. Quem lê um texto e gosta, se aquieta; quem lê e detesta, trepida. Segundo, porque temos de lidar com desentendimentos de outra ordem. Muitas das críticas mais brutais (ou engraçadas) que recebo parecem criticar não exatamente o que escrevi, mas o que pensam que escrevi.

Dizer que meu editorial é péssimo, garantir que minha reportagem é horrível são bons exemplos. Talvez fossem mesmo ruins, péssimos, horríveis, se eu tivesse escrito editoriais ou reportagens. Nunca fiz nem uma coisa nem outra na vida. Meu trabalho é um pouquinho diferente (e, claro, merece as críticas que porventura mereça).

Temos de chegar a um acordo a propósito dos gêneros. Não, Deus me livre e guarde, não falaremos daqueles gêneros ligados à identidade sexual. Mas dos gêneros literários – ou, no caso, jornalísticos. Longe de mim aborrecê-lo com definições prolixas e pedantes, leitor amigo, leitor inimigo. Vamos às linhas gerais.

Editorial é a posição do próprio jornal, revista ou televisão. Quando a Gazeta do Povo publica o editorial, expõe a opinião da empresa. Editoriais são escritos de maneira muito sóbria, como convém. Embora opinativos, costumam fugir de polêmicas vãs ou provocações baratas. Todo editorial tem cara de William Bonner. Portanto, não escrevo editoriais. Não falo em nome da Gazeta do Povo. Não tenho cara de William Bonner. Qualquer bobagem que eu escreva será uma bobagem de minha lavra. Gazeta não tem culpa nenhuma, salvo a de defender a liberdade de expressão.

Já a reportagem é para aqueles que estão sempre zanzando por aí com a voz chatinha do Caco Barcellos, enfiando o microfone na boca da viúva para lamentar a morte do marido, perguntando à mãe da criança sequestrada se ela está mesmo triste ou curtindo a folguinha, denunciando as calamidades públicas e as indiscrições privadas, decorando o nome de deputados do PSOL e do PSL, falando com a fonte que pode ser gente como o Alexandre Frota. É um tipo de trabalho (no mundo ideal) muito mais substancioso, informativo, aprofundado e suado, de quem revira a lata de lixo da notícia e vai às fontes, sonda obscuridades, acompanha desdobramentos, conta histórias. Reportagens nem sempre (às vezes sim) trazem consigo opiniões.

A entrevista, faça-me o favor, todo mundo sabe o que é: aquilo que o Jô Soares tentou fazer durante tantos anos e nunca conseguiu direito, porque se esquecia do pressuposto de que o entrevistado era o outro e não ele próprio.

E, muito resumidamente, existe o artigo de opinião. Este sim tem algo que ver comigo (e, portanto, com você). O artigo de opinião expressa o que vai ou não vai nos neurônios de quem o assina, e tem caráter necessariamente subjetivo. É para ser assim. Entretanto, arrisco uma divisão marota. Desse artigo de opinião pode sair algo ainda mais pessoal, como a crônica. A crônica política. Que é, realmente, o que admito fazer. O pecado que confesso ao padre. “Padre, pequei. Escrevi aquela besteirada de novo...” Um registro pessoal, inteligente, burro, interessante, entediante, engraçado, chato, mas bastante carregado de subjetividade, e que não pode ser lido como se fosse editorial, reportagem, artigo, encíclica papal.

Repare bem, como diria nosso intempestivo Ciro Gomes, que a crônica não prescinde da objetividade. Para escrevê-la, atenho-me às notícias, informações e dados de conhecimento comum. Nunca publiquei uma mentira deliberada; nas poucas vezes em que me equivoquei, fiz questão de me corrigir.

Ouço daqui o rufar de tambores.

Sei bem que a esta altura o leitor estará arrancando os cabelos, mas é preciso não confundir uma notícia com a sua interpretação. Vejamos.

A notícia é a seguinte: provocado por uma leitora, o ministro da Educação diz que a mãe da respectiva seria uma “égua desdentada e sarnenta”. Quem tem simpatia por Abraham Weintraub julgará sua resposta nada mais que um golpe certeiro no politicamente correto ou uma descrição exata da personagem. Vai lá saber se a mãe da moça não será mesmo uma égua desdentada e sarnenta? Tem gente de tudo que é jeito nesse mundo. Eu, porém, se o leitor me permite a petulância, julgo a resposta ministerial um tantinho incompatível com o cargo público representado. Eu e o leitor, portanto, “lemos” diferentemente a mesma notícia.

Quase tudo o que escrevo sobre este governo ou sobre os outros governos deveria ser lido por esta chave. Há fatos, notícias, reportagens, declarações, mães e éguas sarnentas e desdentadas. Tomo conhecimento e julgo de acordo com meus valores, minhas simpatias, minhas antipatias, meu estado de humor. Meu papel é esse. O papel do leitor também é esse. Podemos nos desentender quanto ao julgamento, sem problema nenhum, mas seria bom que nos entendêssemos quanto ao que se julga. Não precisa gostar de mim, quem não gosta. Contudo, peço a gentileza que me odeie pelos motivos certos. Estes são os meus princípios. Não gostou? Tenho outros, dizia, e digo com ele, Groucho Marx, o Marx que vale a pena.

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