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Foto: Mariel Marley Marra/ Arquivo Pessoal
Foto: Mariel Marley Marra/ Arquivo Pessoal| Foto:

O que mais escandaliza na fala do procurador mineiro que pretende reivindicar, cheio de genuína indignação, aumentos e benefícios, e reclama do módico salário de 24 mil reais por mês, não é tanto a desconexão entre o país real e a ilha da fantasia; entre quem ganha muito, e acha pouco, e quem ganha pouco e tem de achar que é o bastante; mas sim o fato de que o procurador não é exceção, é regra, e sua indignação é verdadeira, não é fingida. Antes de ser mau exemplo, ele é um exemplo.

Noutras palavras: ele é parte de uma classe – mais do que classe, casta; mais do que casta, mentalidade – segundo a qual viver do erário é parte constitutiva de ser brasileiro. Alto lá: de ser um certo tipo de brasileiro. É seu direito ganhar muito e fazer pouco; é seu dever exigir mais que retribuir. É sua luta lutar menos, por menos tempo, enquanto outros se gastam e morrem no front. Se foi eleito, se passou em concurso, causa finita est. O privilégio, no Brasil, é reclamado como direito natural – “adquirido”; invocado como graça divina; aceito como se correspondesse a uma espécie de consanguinidade.

Determinados conceitos, cujo poder explicativo há muito se esgotou, ao sul do Equador fazem ainda menos sentido. Não temos, talvez nunca tivemos, propriamente “classes sociais” bem definidas que demarcassem qualquer disputa dialética na economia e na política. O que temos é uma grande, uma amazônica classe vivendo no e à custa do Estado, e todo o resto, que tem de se virar à margem do Leviatã. Encastelados no aparelho burocrático, milhares e milhares de funcionários, uns mais outros menos diligentes, uns mais outros menos bem-intencionados, mas todos parasitas de um mesmo organismo.

Não se trata aqui de tomar o atalho ético mais fácil, que é demonizar o funcionalismo público, ou pregar a urgência do Estado mínimo. Isso são outras questões, outras discussões, cada qual em seu contexto. O que julgo digno de crítica e de reflexão é que, historicamente, a ascensão social no país se fez e se faz por meio e com ajuda providencial do Estado, desde o baixo-clero, com suas pequenas facilidades, garantias e seguranças, até os grandes cargos da hierarquia, as Vossas Excelências nos três poderes, que se confundem com os grandes empresários e respectivas corporações, que por sua vez se aboletam nos ombros desta República em muitos momentos ainda tão parecida com uma deslumbrada e decadente realeza.

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