• Carregando...
Pixabay imagens
Pixabay imagens| Foto:

A história da maior crise sanitária dos últimos cem anos tem uma pré-história bastante sombria.

Logo que os primeiros relatos de contaminação na cidade de Wuhan começaram a aparecer, os primeiros contaminados e relatores começaram a desaparecer. Médicos, inclusive. É assustador, mas não surpreende: assim funcionam Estados de tipo autoritário ou ditatorial.

Millôr Fernandes tinha uma definição que vale por três enciclopédias: “O comunismo é uma espécie de alfaiate que, quando a roupa não fica boa, faz reparos no cliente”. Serve para o comunismo (chinês ou soviético, cubano ou cambojano), mas serve também para o fascismo.

Se Tolstoi me permite a paráfrase, todos os Estados autoritários são iguais; os Estados livres o são cada um à sua maneira.

Quando a covid-19 resolveu escalar as muralhas e viajar pelo mundo, a China fez o que pôde para minimizar os danos à imagem do país e às respectivas autoridades, e é provável que nunca conheçamos, em detalhes, o mapa da negligência. Isso, a seu tempo, terá de ser cobrado.

Não obstante, os países ocidentais – EUA à frente, caninamente seguidos pelo Brasil – se preocuparam mais em fomentar conspirações e denunciar a nacionalidade da “gripe” que em tomar cuidados e providências para conter seu avanço.

Aliás, numa atitude típica de quem governa com base em fatos alternativos e delírios persecutórios, a China foi acusada de criar intencionalmente um vírus mortal contra o mundo e, ao mesmo tempo, o vírus foi desacreditado como gripezinha sem maiores consequências.

Muito bem, o coronavírus partiu da China, eles têm culpa no cartório, mas não parecia útil apontar dedos geopolíticos num momento em que a atenção deveria ser outra. Doença não tem ideologia. Muito tempo foi perdido em vão e, com o tempo, muitas vidas.

Donald Trump negligenciou o perigo enquanto na Europa já havia pilhas de insofismáveis cadáveres. Quando resolveu agir, milhares de americanos estavam mortos ou contaminados. Pro fim admitiu que se tratava de um evento mais grave que Pearl Harbor ou 11 de setembro.

Mas no Brasil o samba é diferente. Negacionismo é política de Estado e desinformação é prática de governo. Jair Bolsonaro quis se espelhar nos americanos e ouviu do presidente ianque que somos mau exemplo no controle de pandemia.

Então, depois das sucessivas trocas de ministros da saúde e da efetivação interina de um ministro interino, o governo encontrou um jeito bastante eficaz de lidar com o crescimento do número de mortos e contaminados: eliminando os números.

Não é uma solução científica?

É provável que tenha ocorrido ao senhor presidente e à sua valorosa equipe que, se não pudermos imitar os EUA no que têm de melhor, ainda poderemos imitar a China no que tem de pior. O Brasil orgulhosamente se alinha aos países autoritários – comunistas, inclusive – que matam o doente para não lidar com a doença.

Sonegar, apagar, atrasar, confundir ou manipular dados é o ato mais evidentemente ditatorial de um governo que só não é ditadura em sentido estrito porque existe alguma resistência para contê-lo.

Dilma Rousseff mereceu o impeachment porque foi criativa na contabilidade fiscal. Jair Bolsonaro, ao promover a contabilidade criativa aplicada à saúde pública, não merece impeachment. Merece camisa-de-força. Prisão.

Ou, quem sabe, uma medalha do governo chinês.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]