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Israel Emirados árabes unidos
Bandeiras nacionais dos Emirados e de Israel| Foto: KARIM SAHIB e Ahmad GHARABLI/AFP

por Igor Sabino

Na última sexta-feira (14/08), o noticiário internacional surpreendeu a todos com o anúncio da normalização das relações entre Israel e os Emirados Árabes Unidos (EAU). Os dois países já mantinham relações informais de cooperação, sobretudo em assuntos de segurança, e nunca entraram em guerra direta. Ainda assim, o evento já é considerado um marco importante da história recente do Oriente Médio, tendo em vista que os EAU foram o terceiro país árabe – além de Egito e Jordânia – a normalizar relações diplomáticas com o Estado judeu. A medida foi louvada por vários Estados árabes e acredita-se que pelo menos mais cinco países da região irão reconhecer a legitimidade de Israel. Dentre eles, Marrocos, Sudão, Omã, Bahrein e, em breve, até mesmo a Arábia Saudita.

Todo esse cenário é bastante significativo, pois aponta que, apesar da inexistência de um Estado palestino e das controvérsias que envolvem a tentativa de Israel de anexar o Vale do Jordão, o chamado conflito árabe-israelense parece caminhar para o fim. A razão para isso são as tentativas de conter a expansão iraniana no Oriente Médio, o que une os interesses tanto de israelenses quanto das monarquias sunitas do Golfo, mediado pelos EUA de Donald Trump. Isso, no entanto, aponta para um desdobramento bastante positivo para a paz na região: o fato de que, após mais de 70 anos desde a sua existência, Israel finalmente está tendo o seu direitos à existência reconhecido pelos vizinhos regionais.

O que está em curso é basicamente uma reversão da chamada Resolução de Cartum, quando em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, os membros da Liga Árabe, assinaram, na capital sudanesa, uma declaração conjunta que ficou conhecida como os “3 nãos” e consistia na recusa em reconhecer a existência de Israel, manter paz com o país ou realizar qualquer tipo de negócios. Na época, a justificativa foi que essa era uma expressão de “solidariedade” aos palestinos que passaram a viver em territórios conquistados por Israel após o conflito, situação que permanece quase que inalterada nos dias de hoje, com exceção da Faixa de Gaza.

Se isso pode ser considerado uma vitória diplomática para Israel, para os palestinos é exatamente o oposto. Restam a eles poucas opções na luta por um Estado nacional. Dentre elas, aceitar o plano de paz proposto por Trump, com todas as suas concessões, abrindo mão de reivindicações históricas para os palestinos, agora sem o apoio de seus “irmãos” árabes. A outra saída é adotar um “plano de paz temporário”, como defende Micah Goodman, no livro O Impasse de 1967: A Esquerda e a Direita em Israel e o Legado da Guerra dos Seis Dias (É Realizações). Segundo o autor, uma das principais causas dos fracassos das tentativas internacionais de se obter a paz entre palestinos e israelenses é a insistência em ideias ambiciosas demais, que requerer a ambos os lados a realização de concessões inimagináveis. No caso palestino, sua própria identidade nacional e a defesa pelo direito de retorno dos refugiados. Na visão israelense, por sua vez, as preocupações com a segurança nacional.

Goodman propõe, portanto, um plano semelhante ao cessar-fogo negociado entre Israel e o Egito, em 1975, que manteve a presença israelense em partes do Sinai. A proposta do autor é assemelha-se ao Plano Allon, sugerido logo após a Guerra dos Seis Dias. Consiste na retirada das forças de Israel de parte dos territórios palestinos, mantendo-as restritas apenas às áreas não habitadas do Vale do Jordão. Dessa forma, os israelenses não abririam mão de sua segurança, tampouco os palestinos de sua expectativa em um suposto “direito de retorno”. Logo, não seria uma maneira de manter o status quo da ocupação israelense. Pelo contrário, seria uma maneira de oferecer aos palestinos uma soberania limitada e, dessa maneira, reestruturar o conflito para poder continuar lidando com ele no futuro, como há muito sugeriu o ex-diplomata americano Henry Kissinger.

Segundo Goodman, a maior dificuldade de pôr isso em prática é a desconfiança geral dos palestinos, após os Acordos de Oslo, de que essa seja apenas uma maneira de solucionar o conflito à custa de suas reivindicações. Nesse sentido, os países árabes, ávidos por criar uma aliança sunita-israelense para contrapor os interesses iranianos no Oriente Médio, teriam um papel importante de convencimento e de garantidores da temporalidade do arranjo político. Diante dos acontecimentos recentes, a proposta do autor parece fazer cada vez mais sentido, trazendo, inclusive, implicações importantes para a atual política externa brasileira.

Desde o período das eleições, uma das principais promessas de Bolsonaro ao seu eleitorado evangélico tem sido não apenas um maior alinhamento do Brasil com Israel, mas também mudar a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. Até o momento, porém, isso não se tornou realidade devido, dentre outras coisas, o temor de que tal passo desagradaria os parceiros comerciais no Golfo. De acordo com o Ministério da Economia, em 2019, as exportações para o mundo árabe ultrapassaram a casa dos 10 bilhões de dólares, contrastando com apenas 371 milhões para Israel. Não é à toa que, ano passado, após anunciar a abertura de um escritório comercial em Jerusalém, durante viagem oficial ao Estado judeu, o presidente visitou também vários países árabes a fim de firmar novos acordos econômicos. O fim do conflito árabe-israelense, portanto, parece o cenário ideal para que Bolsonaro mude a orientação da política externa brasileira para o Oriente Médio, baseada no consenso dos organismos internacionais, segundo o qual, Jerusalém não poderia ser definida como capital israelense.

O Ministério das Relações Exteriores já expressou, em nota, apoio à normalização das relações entre Israel e os EAU e, em diversas ocasiões já demonstrou que está disposto a posicionar-se contrário ao Irã, ao lado do “eixo” israelense-árabe sunita, apoiado pelos EUA.  Em janeiro deste ano, o Itamaraty lançou uma nota de apoio ao ataque americano que ocasionou a morte do general iraniano Qasem Soleimani. O fato levou ao governo iraniano a pedir esclarecimentos à embaixadora brasileira em Teerã, Maria Cristina Lopes, que assegurou aos persas o desejo brasileiro de manter boas relações comerciais com o país. Logo, percebe-se, cada vez mais que, na disputa regional pela hegemonia no Oriente Médio, o Brasil já escolheu o seu lado. Mudar a embaixada para Jerusalém, portanto, parece ser o próximo passo.

Soma-se a isso o aumento da popularidade interna de Bolsonaro, mesmo após a sua péssima gestão da crise de coronavírus que isolou ainda mais o Brasil no âmbito internacional. Se antes o presidente demonstrava pouco apreço em manter tradições diplomáticas, agora parece ainda mais disposto a colocar em prática sua estratégia internacional anti-globalista, sobretudo se isso trouxer aumentos de popularidade com sua base eleitoral. Nesse sentido, transferir a embaixada para Jerusalém consolidaria ainda mais o apoio do público evangélico, semelhantemente ao que tem ocorrido com Trump, nos EUA.

Caso o presidente decida seguir por esse caminho, o melhor momento parece ser agora. Porém, seria preciso ao menos fazer algumas concessões retóricas quanto aos palestinos, como fez o EAU, que justificaram a normalização das relações com Israel como uma espécie de barganha para que Netanyahu não anexasse o Vale do Jordão. O Brasil poderia ao menos reafirmar o direito à autodeterminação do povo palestino e prometer a abertura de uma embaixada na parte oriental de Jerusalém caso um dia ela venha a ser parte de um futuro Estado palestino.

Igor Sabino é Bacharel e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), e alumnus do Philos Project Leadership Institute. Realizou trabalhos humanitários em ONGs de Direitos Humanos ligadas à American University of Cairo, no Egito, e pesquisas de campo na Polônia, Israel, Territórios Palestinos, Líbano e Jordânia relacionadas a migrações forçadas e perseguição religiosa.

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