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Presidente Jair Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro| Foto: Sérgio Lima/AFP

Falta de empatia, incapacidade de sentir remorso, comportamento insistentemente antissocial, tendência a violar o direito alheio sem motivo razoável ou para benefício próprio, dissimulação de respostas desejáveis e manipulação de expectativas sociais: estas são algumas características do transtorno de personalidade antissocial ou, em português, psicopatia. Coincidentemente, são também características da personalidade do presidente da República.

Seu histórico de pensamentos e palavras, atos e omissões, tem a extensão de sua inexpressiva carreira política. Há trinta anos, pelo menos, já descontado o nada brilhante período de serviço militar, o Messias mostra que deveria ter escolhido atividades mais condizentes com suas inclinações naturais: o jogo do bicho, o telejornal das 18h, o serviço funerário, o programa de auditório. Tudo, menos a política, num país que se pretende democrático e vagamente civilizado.

Desde fevereiro, sua resposta à maior e mais letal crise de saúde das últimas décadas oscilou da incredulidade à indiferença, da crueldade à gozação. A cada morto, a cada dez mil mortos, depois de cem mil mortos, Bolsonaro confirma, para quem ainda tinha dúvidas, que seus valores não valem, que seu conservadorismo é preconceito, que sua espontaneidade é anorexia moral.

Quando não responsabiliza o acaso (“É como a chuva, vai molhar...”), trata a covid-19 como guerra na qual todos devem patrioticamente se alistar e – somente os melhores – vencer (“Tá com medo de quê? Enfrenta!”). Em sua raquítica visão de mundo, a pandemia é uma espécie de darwinismo sanitário, de avanço inevitável e até mesmo justo; sobreviver a ela, sinal de merecimento ou graça. Quem morreu, morreu. Quem morreu, perdeu.

Acontece que doença nenhuma é guerra, e o paciente não luta propriamente contra nada. O paciente padece. Num luminoso ensaio de 1984, A doença como metáfora, Susan Sontag percebia – e criticava – essa perigosa estigmatização, como se o mal físico tivesse parentesco com o mal do espírito, e a enfermidade estabelecesse uma hierarquia entre sadios e mórbidos, convalescentes e desenganados.

Ora, o doente não é um triatleta ou um general condecorado. Um doente é apenas um doente. Méritos e deméritos não são marcadores cívicos ou metafísicos. Exigir que se enfrente uma doença, esperar que se tenha coragem desportiva diante de um vírus, exaltar sobreviventes como heróis e rebaixar mortos à segunda divisão, é insultuoso. Tão insultuoso quanto a permanência de Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada.

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