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Gilmar Mendes, ministro do STF
Gilmar Mendes, ministro do STF| Foto:

por Gilberto Morbach

Em tempos nos quais as instituições, de representação ou de mediação — o Parlamento, a academia, a imprensa, o Supremo —, têm sido alvo frequente do fanatismo daqueles que não toleram os fundamentos próprios de uma democracia liberal, é preciso defende-las. Em tempos nos quais as lideranças políticas do país rejeitam qualquer forma de accountability e noções mínimas de freios e contrapesos — tempos de “PEC da Bengala” e pedidos de impeachment de ministros, tempos de ataque ao direito —, precisamos, mais do que nunca, de uma Suprema Corte.

Dito isso, também é verdade que só é possível respeitar aquilo que, antes, respeita a si mesmo. No fim de novembro, estreando na Folha, o Professor Conrado Hübner Mendes articulou a tese de que criticar a Suprema Corte é defende-la. “O Supremo Tribunal Federal”, afinal, “é a vitrine mais reluzente da irresponsabilidade [e da arbitrariedade] judicial brasileira”. A realidade dos últimos meses (anos, talvez) prova correta a tese do Prof. Hübner Mendes. Nesse sentido, defender um Tribunal que não seja covarde, que tenha responsabilidade, que não opte por se tornar refém das circunstâncias da política e das maiorias eventuais, é, afinal, defender aquela que é a própria raison d’être do STF. Para que seja um Tribunal autêntico, seus ministros devem estar à altura do papel que ocupam. Guardar e garantir o respeito à Constituição faz parte do próprio conceito de Corte Suprema; não o fazendo, o Supremo Tribunal já não mais o é.

Nesse sentido, neste mesmo espaço, Gustavo Nogy disse que, para que seja possível defender os “tribunais superiores” dos ataques daqueles que têm “aspirações inferiores”, “é preciso defender a Corte de si mesma”. Ambos têm razão. Aos que se perguntam por que dizem, digo, dizemos isso, respondo com outra pergunta: o que pensam, afinal, os ministros do STF?

Não há, no Supremo Tribunal Federal, uma criteriologia decisória clara. O que os ministros pensam sobre o direito? Qual é, afinal, a sua compreensão acerca do fenômeno? Quais são as convicções de Luiz Fux e Gilmar Mendes? O garantismo é quase sempre de ocasião; seu oposto idem. Os (supostos) princípios invocados são quase sempre ad hoc, sem qualquer ajuste institucional que lhes confira um caráter autêntico de juridicidade. A “ponderação” que é feita quando há colisão de direitos fundamentais — isso ainda se é que existe colisão — nada tem a ver com a teoria de Robert Alexy.[1] Se é verdade que não há previsibilidade e segurança jurídica no país, o problema não está apenas na complexidade dos dispositivos legais ou em uma Constituição demasiadamente extensa e analítica; tudo isso passa também, fundamentalmente, pelo fato de ser impossível definir com clareza qual é a concepção de direito que têm os ministros do STF (e do STJ, e dos Tribunais Regionais, e dos Tribunais de Justiça, e das varas…).

Quando isso acontece, o resultado é exatamente o cenário que temos. A institucionalidade no STF é absolutamente frágil. O grau de fundamentações teoréticas genuínas como fundamento decisório é algo próximo de zero. O que Toffoli realmente pensa sobre o direito — enquanto conceito, enquanto fenômeno, enquanto prática? E Roberto Barroso? E Marco Aurélio? E de Moraes? Ninguém sabe.

Se exigir um direito absolutamente autônomo e apartado das circunstâncias do presente é ingenuidade — e talvez até indesejável —, deixá-lo refém das contingências é abrir mão da própria lógica, da própria função que faz o direito ser o que é. Quando aqueles que compõem a prática jurídica de um país não têm matrizes teóricas que lhes sirvam de fundamento, o resultado é uma degradação do império da lei. Como exigir o respeito à ordem legal quando não sabe o que é a ordem legal de um país e, portanto, o que significa respeitá-la enquanto tal?

Caso a mim coubesse a difícil tarefa de explicar a alguém os conceitos dworkinianos de coerência e integridade, adotaria uma via negativa; iniciaria por apontar ao STF e dizer ao interlocutor algo como “então, coerência e integridade é o contrário disso aí”. O império do direito cai se aqueles responsáveis por guarda-lo são os primeiros a contrariarem as virtudes que fazem parte do fenômeno corretamente compreendido.

[1] Nesse sentido, ver as críticas de Lenio Streck aos princípios inautênticos invocados pelo Supremo (fenômeno chamado pelo professor de panprincipiologismo) e à “ponderação” que nada tem de alexyana. Sugiro, aqui, seu Dicionário de Hermenêutica e Verdade e Consenso.

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