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“A Parábola dos Cegos”
Pieter Bruegel o Velho
“A Parábola dos Cegos” Pieter Bruegel o Velho| Foto:

Nas aulas de biologia aprendi que vírus são estruturas muito pequenas e muito simples, que vivem de parasitar células e envenenar o organismo alheio. Os vírus não têm atividade metabólica autônoma, e por isso dependem dos coleguinhas para, na falta de termo melhor, viver. São os sindicalistas da natureza.

A ciência evoluiu muito de uns anos pra cá, porque hoje sabemos que virologia é matéria a ser tratada pela sociologia, pela política, pela economia. Quiçá pelo direito internacional. Um vírus pode ser de esquerda ou de direita. Comunista ou liberal. Chinês ou americano.

Slavoj Žižek, o excêntrico filósofo esloveno, vê no coronavírus um poder subversivo. “Vírus de todo mundo, uni-vos!” Ele mal esconde a satisfação ao descrever o desolador cenário de mercados financeiros em colapso, fábricas de automóveis paralisadas, cidades sem trabalho.

Enquanto isso, figuras da direita nacionalista, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, aproveitam a confusão para editar leis que aumentam a concentração de poder e suspendem ou relativizam garantias constitucionais.

Para quem quer recrudescer no discurso e radicalizar na prática, a “gripezinha” veio em boa hora.

Jair Bolsonaro, como não poderia deixar de ser, faz o que sabe fazer de melhor, que é fazer o pior. Desde que a pandemia cruzou nossas fronteiras, ele autorizou e desautorizou todas as decisões técnicas do ministro Mandetta, que a essa altura, de tanto capitular, já virou pau-mandetta.

O que me causa espanto é que a doença seria uma rara oportunidade para que o presidente mostrasse grandeza. Vírus não tem partido nem faz oposição. Bastava compreender a seriedade do evento, aceitar as recomendações sanitárias e seguir os protocolos científicos. Ficar sentadinho e não atrapalhar.

Um gesto assim, de resto tão simples, rejuvenesceria o já enrugado governo, e congregaria esforços numa direção que nem de longe é ideológica. Bolsonaro poderia sair maior do que entrou, e mesmo o crescimento pífio da economia nos próximos anos seria debitado na conta do covid-19.

Mas quem nasceu com nanismo moral é incapaz de transcendência. Presa fácil de uma freudiana pulsão de morte, o presidente é seduzido e alimentado pelo caos. Assim como os endemoniados porcos bíblicos, ele corre desabaladamente em direção ao precipício, e parece satisfeito em levar o país junto. “O Brasil não pode parar”.

Cedo ou tarde, a tempestade terá fim. Outros serão os desafios. E a lição aprendida é que, extremistas à parte, a virtude está num ponto qualquer entre dois excessos.

Precisamos, mais do que nunca, da produtividade capitalista, dos mercados livres e da colaboração científica, mas também de um Estado liberal-social, contido e eficiente, que garanta o mínimo para os que têm menos do que o mínimo, e responda a demandas inesperadas como a que estamos enfrentando.

Por último, mas não menos importante, seria bastante bom que os populistas, os mesquinhos e os ignorantes deixassem a sala de máquinas, para que os adultos pudessem trabalhar com alguma tranquilidade. Não deve ser fácil tomar decisões técnicas quando só as decisões políticas importam. “Se um cego guiar outro cego, ambos cairão no buraco”.

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