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Mamilos é um podcast apresentado pelas jornalistas Juliana Wallauer e Cris Bartis. Política, comportamento, afetividade, carreira e ética são alguns dos assuntos tratados com bastante cuidado. Para meu gosto, cuidado até demais.

Elas são simpáticas, ideologicamente limpinhas, praticam o que chamo de engajamento fofo e se esforçam para não ferir suscetibilidades. O problema é que toda suscetibilidade será ferida. Tudo, nalgum momento, ofende ou ofenderá alguém. Já existe até o fenômeno das ofensas retroativas – vítimas de ofensas que se lembram de se sentirem ofendidas muito tempo depois da ofensa.

A propósito, nem sei de quem falo, quando falo de vítimas. São as mulheres? Só as mulheres feministas? Os negros? Os gays? Só os gays de esquerda? Os anões? Os magros? Os gordos? Só os gordos que cultuam o body positive? Os pobres? Os marcianos? Os ateus? Os eleitores do Levy Fidelix?

Num episódio recente, Juliana e Cris se propuseram a discutir finanças pessoais. Repito: finanças pessoais. Não debateram aborto, eutanásia, abuso, racismo ou a vida conjugal de contabilistas, mas finanças pessoais.

Para isso convidaram o coach financeiro Thiago Nigro, o Primo Rico, e a youtuber Nathália Rodrigues, do canal Nath Finanças. Ele diz que é rico. Ela assume que é pobre. Ele é homem. Ela é mulher. Ele é branco. Ela é negra. Ele é coach. Ela é gente.

Ocorre que, no debate, consta que ele foi assertivo, chato e falou muito mais do que ela. Surpresa nenhuma. Primeiro, porque essa é a dinâmica de qualquer podcast: uns falam mais, outros menos, no big deal. Segundo, porque todo coach é assertivo, chato e precisa falar muito para não correr o risco de ser ouvido.

Resultado: Juliana e Cris, “minas brancas” de um podcast “muito branco”, receberam a sentença de morte civil nas mídias cada vez mais antissociais. São as bruxas de Salém. Os mamilos de Salém. Merecem ser queimadas. Banidas. Proscritas. Canceladas.

Um programa feito para incluir, apaziguar, confortar e dar voz ao variado público é atacado porque a voz virou ruído, o variado público virou tribo, as tribos se esfacelam em subtribos, as subtribos se fragmentam em microtribos, as microtribos em solitários defensores da própria causa, justiceirinhos de improvisada jurisdição, mercenários a serviço da revolta prêt-à-porter.

Pois é tanto lugar de fala que é impossível falar sem invadir o lugar de fala de alguém. Precisamos, com urgência, de uma política de zoneamento dos lugares de fala. Quem bebe café com açúcar chateia quem bebe café sem açúcar. Um milímetro ao sul do ressentimento de Fulano desperta rancores na frustração ao norte de Beltrano.

O lugar de fala, em vez de tolerância e entendimento, tem sido lugar do ódio mais rútilo, da baba mais viscosa, da absoluta incomunicabilidade. A conclusão será o mutismo público.

Enfim, a furiosa audiência do Mamilos culpa as jornalistas. As jornalistas fazem mea culpa. Os convidados estocam cicatrizes, atraem seguidores e investem na bolsa de valores do vitimismo. A vítima é o herói de nosso tempo, notou Daniele Giglioli, no ensaio A crítica da vítima. Recomendo a leitura, mas não vale chamar a mamãe.

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