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Foto: KCNA VIA KNS/AFP
Foto: KCNA VIA KNS/AFP| Foto:

Dos regimes fechados e ditatoriais no mundo, a Coreia do Norte é o mais fechado e ditatorial. Talvez seja o único país que se possa chamar com propriedade de totalitário, sem que o adjetivo soe exagerado ou politicamente discutível.

A ideologia deu lugar ao culto, e o culto se transformou numa tétrica pantomima – uma coleção de gestos, de comandos, de aparências – que sustenta, não se sabe como nem por quanto tempo mais, um dos experimentos sociais mais abomináveis de que se tem notícia.

Sem pretender elaborar uma taxonomia política rigorosa, arrisco dizer que o totalitarismo transcende o uso da força estatal, da censura, da perseguição e da tortura. Em governos autoritários e mesmo ditatoriais, como o do Brasil em 64 e o da Venezuela nos dias de hoje, para citar apenas dois dos muitos exemplos, subiste ainda uma clara percepção de que o Estado faz uso do aparato militar de que dispõe, subjuga as instituições, suspende as garantias e perverte o direito.

Já o totalitarismo supõe a criação de uma realidade minuciosamente inautêntica, artificial, paranoica, como se o país todo se tornasse palco, e os cidadãos, figurantes de um teatro de sombras. É para esse tipo de... coisa... que o vereador do PSOL, Leonel Brizola Neto, promoveu moção de louvor e reconhecimento, na Câmara Municipal do RJ.

Foi devidamente repudiado por líderes do seu próprio partido, como Luciana Genro, Marcelo Freixo e Sâmia Bomfim, o que seria um alento não fossem as outras tantas manifestações do mesmo PSOL, dos mesmos líderes e de partidos congêneres e irmãos, PT incluso, a outras ditaduras e autoritarismos, mais ou menos cruéis, ao redor do mundo.

Genro disse que discorda “frontalmente da homenagem feita por Brizola Neto ao ditador da Coreia do Norte. Não representa a maioria do PSOL. Só uma esquerda fora da realidade apoia esse regime. Ali não tem nada de comunismo nos termos pensados por Marx. Nossa luta é por socialismo e liberdade!”, enquanto Bomfim lembra que “não há socialismo possível com violação de direitos humanos e sem liberdade”.

O probleminha é que a Coreia do Norte não é exatamente a traição do comunismo, mas o próprio comunismo em seu estado de arte. As lições de Marx não terminaram sendo mal interpretadas por gente distraída (lista não exaustiva) na União Soviética de Lênin e Stálin, na China de Mao, no Camboja de Pol Pot, na Romênia de Ceauşescu, na Cuba de Castro e Che, na Venezuela de Chavez e Maduro.

As lições de Marx foram lidas muito corretamente, na verdade. Marx pretendia recriar a realidade num nível antropológico – até metafísico – mais do que econômico, e isso só seria possível com o totalitarismo. Por essas e outras, e não por supostos e reiterados desvirtuamentos, o marxismo resultou no que resultou. Cumpriu o que prometeu.

A história – não a teoria, não as opiniões, não as esperanças: a história – provou, com cansativa insistência, muito ao contrário do que acredita a ingênua (na melhor das hipóteses) Sâmia Bomfim, que o socialismo só é possível sem liberdade e com violação de direitos humanos. Me pergunto: em lugar de variações de um mesmo erro, por que não a liberdade?

Apresentar moção de louvor e reconhecimento a Kim Jong-un não deixa de ser, convenhamos, um gesto de coerência ideológica. Brizola Neto, aluno exemplar, entendeu Marx direitinho.

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