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Foto: Antonio More e Henry Milleo/Gazeta do Povo
Foto: Antonio More e Henry Milleo/Gazeta do Povo| Foto:

Não é exagero dizer que a Operação Lava Jato foi determinante para a reconfiguração político-eleitoral brasileira. Alguns gostaram disso, outros nem tanto. Para além da prisão de Lula e dezenas de personagens importantes, os efeitos da força-tarefa foram sentidos por quase todos os candidatos e respectivas legendas, acusados de crimes ou não. Como um cataclismo que tivesse redesenhado continentes inteiros de arranjos partidários, nada mais seria como antes. E não foi.

Quem surfou o tsunami cresceu nas pesquisas e venceu nas urnas. O improvável deputado que, depois de quase três décadas de inexpressiva atuação parlamentar, nem partido tinha às vésperas da corrida, surgiu dos escombros da corrupção como o paladino da moral e dos bons costumes. Arrependido daqueles muitos anos de pecado, Bolsonaro encontrou em Paulo Guedes o impulso que faltava à súbita conversão liberal, na estrada de Damasco da pré-candidatura.

Vencidas as eleições, cercou-se de militares (alguns dos quais jogou ao mar) e imantou-se da credibilidade intelectual do economista sem vida pública notável, mas cheio de boas (não se sabe se realizáveis) ideias na cabeça. Para completar a confraria, Sérgio Moro aposentou a toga e vestiu o terno. De um lado, tínhamos a técnica econômica; de outro, a retaguarda moral.

Quando Moro foi convidado e aceitou o convite, fiz minhas ressalvas. Duas ressalvas, para ser preciso. A primeira: sua aceitação serviria de argumento àqueles que consideravam a Lava Jato uma grande conspiração política. A segunda: protagonista com luz própria e imagem inatacável, ele arriscaria se transformar num coadjuvante ancorado às imprevisíveis circunstâncias.

O processo de fritura (ou de neutralização) do ex-juiz, pelo que se vê, já está avançado. Eu não duvido. O presidente desautorizou o ministro mais de uma vez, e tem interferido nos inúmeros órgãos e cargos técnicos que, em tese, precisariam estar a salvo das maquinações políticas (e familiares). Da noite para o dia, fez de Dias Toffoli, outrora “advogado do PT”, um de seus mais frequentes interlocutores. Ainda que revirem os olhos, os militantes já não podem negar que a Lava Jato vive em crise de identidade.

Entrevistado por esta Gazeta, Deltan Dallagnol, o mais novo comunista da praça, foi direto: “O presidente Jair Bolsonaro, ao longo da campanha eleitoral, se apropriou de uma pauta anticorrupção. (...) Agora, o que nós vemos é que ele vem se distanciando desta pauta de corrupção quando coloca em segundo plano o projeto anticrime do juiz federal Sergio Moro. Ele coloca em segundo plano essa pauta quando ele faz mudanças no Coaf e desprestigia o auditor da Receita Federal Roberto Leonel [indicado por Moro para o Coaf], que trabalhou na Lava Jato”.

Assistiremos a episódios empolgantes nos próximos dias, mas uma coisa é cada vez mais certa: o casamento entre o governo Bolsonaro e a Operação Lava Jato perdeu muito de seu entusiasmo, e talvez não passasse mesmo de amor de verão. Intenso, mas fátuo. Quando os boletos da realpolitik começam a vencer e as diferenças de temperamento e objetivos se acentuam, a convivência fica difícil, e o divórcio entre a convicção moral e a vontade de punir acaba se tornando a inevitável solução. Afinal de contas, os filhos não podem sofrer por causa das brigas dos pais.

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