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Gabriel Macht como Harvey Specter, na série “Suits” (Divulgação)
Gabriel Macht como Harvey Specter, na série “Suits” (Divulgação)| Foto:

por Nicolau Olivieri

Todas as conhecidas dinastias do direito têm o seu lado caricato. Até mesmo os elegantes advogados corporativos, que caminham na esburacada Alameda Pamplona como se fossem Harvey Specters do planalto bandeirante, também têm o seu lado caricato. Mas poucas dessas grandes famílias jurídicas costumavam ser tão mal vistas quanto a brava, aguerrida, sofrida e gauche família dos advogados trabalhistas.

Não sem alguma razão – sejamos sinceros, e eu cheguei a fazer audiência com um advogado que trajava um terno jeans, o que é mais do que suficiente para maledicências. Inclusive eu fiz uma péssima audiência porque não parava de pensar se porventura o carro dele não seria um Chevette Jeans (Google, crianças). Eram outros tempos. Mas para além dessa razão caricata que possa ter existido, a visão algo pejorativa que se tinha do direito do trabalho em geral, e da advocacia em particular, talvez fosse na verdade a consequência da visão que se tinha do trabalho. Afinal, se o trabalho no Brasil não é valorizado, que dirá o direito do trabalho.

Mas sendo o direito do trabalho um ramo nascido das tensões e conflitos da sociedade industrial, e portanto refletindo direitos e deveres das partes envolvidas nessa relação de caráter coletivo, ele acabou se tornando a matriz de muitos institutos que, décadas depois, os civilistas e processualistas criaram e passaram a achar maravilhosos.

“As ações coletivas!” – orgulha-se o doutrinador processualista civilista entoando glórias ao conceito de direitos individuais homogêneos, e emocionado com as brilhantes soluções para questões envolvendo uma pluralidade de sujeitos que compartilham uma mesma pretensão material.

Hold my beer” – diz o bravo advogado de sindicato dos trabalhadores da construção civil, afrouxando o colarinho, e ainda pergunta com aquele ar de desdém: “– Vocês ainda têm embargos infringentes, é?”

Respeite o terno jeans, amigo.

Verdade que nem todo mundo tinha fair play com essa falta de valorização do direito do trabalho. Eu me lembro, por exemplo, da briga de alguns juízes trabalhistas de segunda instância para serem chamados de desembargadores – como se isso resolvesse alguma coisa.

Enfim, o mundo evolui, ou “revolui”, como diria um dos meus filhos, ainda que aos trancos e barrancos, tropeçando, catando côco, caindo e ralando o joelho. E numa dessas evoluções imprevisíveis, eis que se aprova uma reforma na boa e velha (e velha e velha e velha) CLT, algo já inusitado, e que eu nem esperava que um dia fosse acontecer.

Igual quando chega visita aqui em casa: um tal de arrumar a sala, botar a mesa, limpar os copos, e até dar banho nos gatos – eis o direito do trabalho novamente se apresentando como algo novo, algo a ser pensado para além das rotinas de recursos humanos e reclamações trabalhistas, a que todos estavam a acostumados. Vamos fazer uma boa impressão para os colegas.

Depois, o impensável: uma pandemia cataclísmica que fez o mundo parar. Não havia mais Merges & Sei Lá O Quê, ninguém queria saber de abrir sociedade, não havia mais reuniões em Londres, Delaware ou Lyon; as preocupações com testamentos, IPOs, locações, prescrição e decadência, anticrese e enfiteuse, tudo isso foi para o segundo ou terceiro ou décimo nível de importância.

O importante passou a ser salário e emprego.

Uma pandemia fez o mundo redescobrir a importância social, econômica, e política do bom e velho direito do trabalho, daquela relação econômico-jurídica que no mundo moderno torna possíveis várias outras.

O direito do trabalho já não pede mais licença para sentar-se à mesa. Agora é beijinho no ombro, aqui é CLT velhusca, com muito orgulho, com muito amor, reforma trabalhista na veia. Pandemia? É com a gente mesmo: mete o teletrabalho na moral, adianta férias, suspende contrato, reduz jornada, termo aditivo, redige um informativo por semana, webinar, entrevista, conference call. O nosso nome é trabalho.

Nicolau Olivierié sócio na Leal Cotrim Jansen Advogados. Membro do Instituto de Advogados Brasileiros.

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