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Ricardo Boechat
Ricardo Boechat| Foto:

Ricardo Boechat morreu hoje, em SP, num desastre aéreo. O piloto do helicóptero, Ronaldo Quattrucci, também morreu. O jornalismo brasileiro, já não tão farto de grandes referências, perde mais um entre os melhores.

De maneira geral, sua competência foi reconhecida e exaltada. Nas redes sociais, de modo até surpreendente, não li nada de muito inoportuno ou aviltante, como tem sido comum nesses tempos de barbárie digital. No entanto, em meio aos lamentos e às deferências, um detalhe recorrente me chamou a atenção.

Consistia mais ou menos no seguinte: os elogios ao jornalista vinham carregados – ora com mais ênfase, ora com mais sutileza – de ressalvas e veja-bem a propósito de suas opiniões políticas e morais.

Lamentável a morte de Ricardo Boechat. Eu não concordava com tudo o que…”

Uma pena! Apesar de discordar de muitas das suas posições, admito que…”

Triste dia para o jornalismo! Independentemente de direita ou esquerda, ele de fato era…”

Existe um problema de fundo, mais sério do que parece à primeira vista, nessas emendas. Nessas homenagens com melindres. Nessa admiração condicionada. Nesse lamento antecipado de prevenção.

Problema que pode ser resumido na pergunta: Quando foi que a divergência de opiniões virou problema? A depender de como será a resposta nos próximos anos, muito do nosso futuro estará em jogo.

Porque é disso que se trata. O advento das mídias sociais produziu, além de grandes e irrenunciáveis benefícios, também um efeito colateral dos mais perversos: a brutal dificuldade de conviver sem medo com quem pensa de modo diferente de nós.

Não nos basta que o interlocutor seja capaz, inteligente, honesto e tenha longa carreira; ele tem de ter as nossas opiniões, ou opiniões muito próximas às nossas, para que nos sintamos seguros. De preferência em matéria política e em questões morais. Desejamos familiaridade.

Qualquer coisa que soe diversa ou distante nos assusta. Não queremos ser confundidos com este ou com aquele, como se determinadas opiniões fossem como drogas ou revistas de mulher pelada, artefatos que pretendemos esconder da mãe. Temos de fazer nosso xixi ideológico antes ou logo depois de quaisquer elogios, para demarcar bem o território político e separar os bons dos maus.

É triste, é tristemente sintomático o fato de que estejamos nos acostumando a lamentar a morte de um jornalista (ou escritor, ou artista etc) com a escrupulosa explicação: “Não concordava com (todas) as suas opiniões, mas reconheço que…”

Não deveríamos explicar ou reconhecer coisa nenhuma.

Ricardo Boechat foi um grande jornalista. A única ressalva a ser feita é que morreu cedo demais.

 

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