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Antônio Risério é antropólogo e poeta, ficcionista e crítico cultural. Baiano e universal. Escreve sobre política e literatura, urbanismo e costumes, disputas raciais e música. Seu reconhecimento na universidade foi conquistado com o mérito genuíno do autodidata.

Conhece as categorias da sociologia e os rigores do trabalho acadêmico, mas escreve bem e escreve como escritor. Não o seduziram os rapapés e as pantomimas da intelligentsia, nem padece do “fetichismo do conceito” (Luís de Gusmão). Transita entre a arte e a ciência com a sem-cerimônia que caracterizava Gilberto Freyre.

Alto lá! Este não será um ensaio encomiástico. Faço minhas ressalvas. Risério não é santo. Cometeu pecados e não terão sido poucos. Desconheço os da carne, mas sei os do espírito: participou das campanhas petistas, enquanto lhe soava razoável participar. Teve mais apreço por Lula do que, para meu gosto, seria prudente ter. Mas quando o PT mostrou a que veio, e o que veio não veio bonito, desembarcou do frustrado projeto e se submeteu ao único tribunal de jurisdição inescapável: o da própria consciência.

Não por acaso, nos últimos anos, esse que se admite como pensador de esquerda teve de fincar balizas e estabelecer limites, distinções e fronteiras entre o que lhe parece território habitável e o que se transformou num terreno baldio de ideias, ocupado por stalinistas redivivos e identitaristas maníacos. Ele, repito, é de esquerda, mas se a esquerda é o que se tem visto, então ele será outra coisa. Hipocrisia? Nem por isso: George Orwell é o exemplo. Alguém será capaz de acusar Orwell de covardia, comprometimento ou burrice? Antes da esquerda, a vergonha na cara.

Sobre o Relativismo Pós-moderno e a Fantasia Fascista da Esquerda Identitária é o mais novo livro. Mais do que livro: uma tomada de posição. Num verdadeiro tour de force argumentativo em meio ao vozerio desprovido de argumentos, repleto de som e fúria, ele confronta os dogmas, aponta as mistificações e levanta as saias do neopuritanismo esquerdista, que se parece cada vez mais com a caricatura que sempre se fez da direita. Não sobra muita coisa, advirto. Seu texto confessa uma espécie de cansaço com o teatro de cinismo onde atuam personagens de uma esquerda festiva que está mais para fim de festa.

É provável que o livro, quanto ao debate público que suscita, seja minuciosamente ignorado pela mesma gente que noutros tempos exaltou seu autor. Discuti-lo na voz alta das redações ou nos bocejos das universidades provocaria brigas e traria à mesa certas indiscrições. Ninguém quer isso. Temos aí um governo com jeitão de fascista sobre o qual projetar nossa imagem, sem que o reflexo dê muito na cara. Como se dissessem: façamos de conta que Antônio Risério não existe, não nos conhece, não sabe do que fala, não escreve o que escreve, para que ainda nos seja possível bater forte no peito e, contritos, reconhecer: “O inferno são os outros”.

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