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Até pouco tempo atrás, eu ignorava a existência de John Williams. À editora Rádio Londres devo a chance de confessar minha culpa, implorar misericórdia e corrigir tão grave erro. Se, no dia do juízo, Deus tiver critérios também literários com os quais julgar as almas, desconhecer o escritor americano contará como pecado capital. E será muito bem-feito aos impenitentes.

Encontrei a fé com Stoner, história do filho de camponeses que deixa a fazenda para se transformar num medíocre estudante universitário, que terminará como um medíocre professor universitário. Sim, parece chatíssimo. Não, não é chatíssimo. Acompanhamos as poucas vitórias e as muitas derrotas íntimas do anti-herói com um sentimento muito próximo do amor.

Embora convertido, confesso outro pecado: mesmo tendo visto – ou lido – o primeiro milagre, ainda assim duvidei do santo e abri com alguma desconfiança outro de seus livros: Butcher’s Crossing.

O porquê da desconfiança? O enredo me sugeria regionalismos já sem lugar no meu apetite literário. A história de um rapaz que desiste da vida acadêmica e chega a uma cidadezinha no Kansas para ter lá uma experiência mais vívida da vida? Ora, por favor.

Ora, por favor, leiam o quanto antes.

Butcher’s Crossing, para meu paladar, é ainda melhor do que Stoner. Também se trata da composição de um caráter, mas com a tonalidade moral dos grandes romances de formação (aos interessados, recomendo o livro de Franco Moretti sobre o tema, O romance de formação, Cia das Letras, 2020).

Will Andrews desiste de Harvard, das pretensões urbanas, do conforto da casa paterna e sai em busca de experiências mais autênticas. Qualquer coisa entre Francisco de Assis e o filho pródigo. Vagueia a esmo pela imensidão do centro-oeste americano e encontra um lugarejo esquecido do resto do mundo, para viver uma versão muito sua, e muito alternativa, do american way of life.

Ele a vive. Ele a sobrevive. Acompanhamos o aperfeiçoamento desse rapaz, que se mete, um tanto ingenuamente, com uns mal-encarados vendedores de peles e caçadores de búfalos, e se arrisca numa expedição ao Colorado. Aventura cheia de dor, de sangue, de frio e de solidão.

John Williams escreve com visualidade cinematográfica, mas sem as urgências do cinema. Ele nos dá tempo para fruir e sofrer. Somos capazes de ver, de tocar e de sentir o cheiro dos búfalos e daqueles homens beirando a loucura. A longa cena da caçada é de uma beleza – e de uma beleza tão triste... – quase insuportável. Eu me senti fisicamente esquisito. A sério.

Um faroeste metafísico? Uma jornada psicológica à natureza selvagem? Isso e mais do que isso. Não acredito que seja possível determinar com facilidade a topografia estética dessa impressionante narrativa.

John Williams merece ser conhecido e reconhecido. Butcher’s Crossing merece leitura e releitura. Primeiro o lemos para conhecer a trama e os personagens. Depois o lemos para reconhecer a vida e a nós mesmos.

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