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Cena da novela Vale Tudo (Reprodução)
Cena da novela Vale Tudo (Reprodução)| Foto:

Quem matou Odete Roitman? foi a pergunta que prendeu a atenção do público no fim do longínquo ano de 1988. O misterioso assassinato da vilã, interpretada por Beatriz Segall, prenunciava muito do que viria adiante, no país que teve em Fernando Collor de Mello seu primeiro vilão democrático depois da Constituição de 88. Não faltaram nem mesmo os misteriosos assassinatos: de PC Farias a Celso Daniel; de Marielle Franco a capitão Adriano.

A vida imita a arte, sabia Oscar Wilde.

Mas será para sempre de Reginaldo Faria, em Vale Tudo, a mais icônica cena do folhetim brasileiro: empresário corrupto e amoral, Marco Aurélio conclui a trama numa verdadeira jornada do anti-herói, voando para longe e largando ao país o gesto que codifica a postura e a mentalidade de nossas elites econômicas e também políticas.

De lá para cá foram muitas as bananas simbólicas que os brasileiros receberam. A operação Lava Jato, percalços à parte, teve o mérito de revelar os nomes, os apelidos, as siglas, as cifras e os endereços da feira-do-rolo (alô PT!) que é a história da nossa redemocratização. Pouca gente escapa. Tivemos avanços, é verdade, mas o elã continua o mesmo. Jair Bolsonaro não me desmente.

Num intervalo de poucos dias, o presidente encarnou o personagem de novela e repetiu duas vezes aquele gesto. Gesto que é um símbolo e representa bem mais do que parece. Porque, para além do gerenciamento da burocracia e da prática de atos administrativos, a política é uma cadeia de discursos, intenções, códigos, premissas, valores. Um conservador de verdade saberia disso.

Governar, no sentido forte do termo, é dialogar na pólis. Falar, mas sobretudo ouvir. Em democracias saudáveis, o mandatário presta serviço público. Tem mais deveres que direitos. Não pode responder apenas se quiser, quando quiser, como quiser, a quem quiser. Não deve insinuar torpezas, como as que insinuou sobre a repórter Patrícia Campos Mello. E dar banana à imprensa, ainda que em virtude de perguntas incômodas, é dar banana à responsabilidade de responder. Não se trata da liturgia do cargo, mas da falta de modos à mesa.

O que até certo ponto me alivia na postura – ou descompostura – presidencial é saber que nada tem de nova. Conhecemos tudo isso muito bem e, venha o que vier, não nos surpreenderá. Bolsonaro e sua prole são da mesma espécie de parasita recentemente denunciada por Paulo Guedes, ministro da infectologia, num misto de sinceridade e ato falho: parte significativa da nossa gente, graúda ou miúda, vive mesmo à custa do erário, e quando se elege ou passa em concurso se dá ares imperiais.

Nada mais velho do que o novo, nesse vale-tudo tropical. Ao vencedor, as batatas. Ao eleitor, as bananas.

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