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Banda Black Cherry em apresentação na FAP (em primeiro plano o guitarrista Ruan de Castro faz seu solo)
Banda Black Cherry em apresentação na FAP (em primeiro plano o guitarrista Ruan de Castro faz seu solo)| Foto:
Banda Black Cherry em apresentação na FAP (em primeiro plano o guitarrista Ruan de Castro faz seu solo)

Banda Black Cherry em apresentação na FAP (em primeiro plano o guitarrista Ruan de Castro faz seu solo)

Em 2003 a Faculdade de Artes do Paraná (FAP) iniciava sua primeira turma do curso de Bacharelado em Música Popular. O início do novo curso era uma ousadia que beirava à imprudência. A FAP tinha acabado de passar pela pior fase de sua história, tendo ficado sem sede e chegando a realizar suas aulas na rua para chamar a atenção da sociedade para seu problema.

Na área de música, a tradicional instituição cuja fundação remonta ao surgimento do Conservatório de Antonio Melillo no início do século XX possuía apenas o curso de Licenciatura em Educação Artística com habilitação em música. A “Educação Artística” foi um dos tristes legados do regime militar no nosso sistema educacional. E pela mesma época que iria surgir o curso de Bacharelado em Música Popular, a FAP também reformulava sua Licenciatura, voltando a contar com o curso específico de Licenciatura em Música.

O grande problema: além da estrutura física precária (que já avançou muito nestes 10 anos mas continua com severos problemas), a FAP contava apenas com um reduzido corpo de professores ligados ao curso de Educação Artística. O mesmo pequeno grupo de professores teria que dar conta dos dois novos cursos – a Licenciatura em Música e o Bacharelado em Música Popular.

Idealizado e projetado pelos professores Sérgio Deslandes e Drausio Fonseca, o curso de Bacharelado em Música Popular surgia como uma iniciativa pioneira, num país em que os departamentos de música universitários são excessivamente ligados à tradição clássica oitocentista europeia. Pelo que me consta, existiam no momento apenas dois cursos superiores de mesmo teor, na UNIRIO e na UNICAMP. Hoje a iniciativa já vem sendo ampliada para outras universidades, como a UFMG e a UFRGS, que abriram cursos superiores de Música Popular em anos recentes.

Após a aprovação e criação do curso, vinha o desafio de colocá-lo em pé, fazê-lo funcionar, mesmo com os graves problemas de estrutura. Quem encarou o desafio por mais tempo foi a professora Maria Aparecida Zanatta, que coordenou o curso por longos anos, em sua fase mais difícil, enfrentando inclusive o desafio da reforma curricular e da renovação de reconhecimento aprovada em 2009.

O que faz a grandeza deste curso é, certamente, o trabalho que vem sendo realizado por seus egressos. Se por um lado os graves problemas estruturais (falta de professores com perfil profissional na área do curso, falta de salas adequadas, falta de equipamentos) faziam as dificuldades de funcionamento do curso, por outro lado o Bacharelado em Música Popular era uma oportunidade para que vários músicos muito bons que já atuavam profissionalmente pudessem ingressar nos estudos de nível superior, pois pela primeira vez era possível prestar um vestibular específico, sem a necessidade de preparar um repertório, digamos, de sonatas de Beethoven para passar no vestibular.

Então lá estavam os bateristas, guitarristas, contrabaixistas, violeiros e tantos outros músicos cuja entrada nos departamentos de música era sempre difícil. E ao entrarem na FAP, eles demonstraram o quanto podiam fazer se tivessem mais esta oportunidade, de complementar sua formação e alcançar um estudo mais formal em alguns aspectos.

Por isso, quando a professora Rosemari Brack propôs este ano ao colegiado de curso que fosse organizada uma semana de atividades comemorativas, sua ideia foi de buscar os egressos do curso, para que voltassem e compartilhassem com os alunos atuais sua experiência profissional. O evento aconteceu nos dias 8 a 10 de outubro.

E ficou evidente que o que esse curso mais tem é egresso de qualidade. Alguns, poucos mas bastante representativos, vieram participar do evento que foi mais ou menos assim:

Como abertura fizemos uma mesa-redonda com dois professores atuais do curso, eu e a profª Laize Guazina. Somando-se a nós, o prof. Vicente Ribeiro. O assunto era A música popular na academia. Vicente Ribeiro foi um dos grandes músicos que trouxe sua fantástica experiência profissional e musical para vir receber um diploma de Bacharel em Música Popular da FAP. Ele já tinha o curso quase completo de Composição e Regência da UNIRIO, mas terminou a formação na FAP, onde também já foi professor substituto. Nem preciso dizer aqui a importância do trabalho dele como arranjador, regente e produtor musical, bem como professor de harmonia e arranjo. Seu trabalho já é bem reconhecido em Curitiba, no Rio de Janeiro e no Brasil todo, e hoje ele vem transitando para os estudos acadêmicos, fazendo mestrado em música na UFPR e contribuindo muito para consolidar os estudos da música popular. Minha fala nesta mesa eu transcrevi aqui em meu blog pessoal.

Logo em seguida aconteceu o show Voluptuous IGG com a banda Black Cherry. Aqui no blog da banda tem muita coisa interessante, inclusive músicas para ouvir. Mas nada como vê-los ao vivo. Entre os integrantes, a professora Marilia Giller, que cuida da parte de piano, harmonia e improvisação no curso, e que vem fazendo interessantíssimas pesquisas sobre jazz bands em Curitiba na primeira metade do século XX. Ela também foi diplomada pelo curso entre as primeiras turmas. Na guitarra, fotografado num dos momentos mais inspirados do show na imagem que ilustra este post, está Ruan de Castro, egresso da primeira turma do curso que está trabalhando bastante com vários grupos musicais, e coordena o projeto de Orquestra de Música Popular da FAP.

Para fechar a programação do dia, o clarinetista Zeca Moraes, também da primeira turma do curso, apresentou a conferência “As relações metafóricas entre música, poesia e imagem”, tema de sua pesquisa de mestrado realizada na UNICAMP. Zeca Moraes foi classificado em primeiro lugar nacional no ENADE 2006, o que lhe valeu a bolsa de mestrado como prêmio. Em sua conferência, foram mostrados os trabalhos que realizou com fotografias que representaram metaforicamente as relações entre poesia e música num ciclo de canções de Goethe/Schubert. Também foi muito interessante um outro trabalho que ele apresentou – um audiovisual construído com o movimento solo de clarinete do Quarteto para o fim dos tempos de Messiaen com fotos do campo de concentração que os nazistas construíram em Weimar, a terra de Goethe. Estava ali, na conferência de Zeca Moraes uma das grandes linhas que marcaram o evento – a multidisciplinaridade que envolve o fazer artístico contemporâneo, no caso, articulando música, fotografia e audiovisual.

No segundo dia as atividades se iniciaram com a mesa redonda “Processos criativos em Música Popular” com os professores Alvaro Borges e Marilia Giller. Neste evento ficou patente que não existe outro caminho para o aprendizado consistente de música, senão o investimento nos processos criativos. Estavam ali novamente as fronteiras entre linguagens – música e processos computacionais ou tecnológicos (a linha desenvolvida pelo professor Alvaro Borges) e música e artes visuais, pois ficou evidente nas composições de Marilia Giller a ligação criativa com os processos que a grande pianista também desenvolve como pintora.

Depois veio o show Ócios do ofício com o grupo Fole baixo lounge. Mais sobre o espetáculo aqui na página do grupo. Também estava ali a questão das fronteiras: música instrumental e música eletrônica, música e literatura. Marcelo Pereria, o contrabaixista e difusor de eletrônica, é egresso da primeira turma do curso, que vem trabalhando em vários conjuntos de importância para a cidade, como a Orquestra à base de sopro, o Maria Faceira orquestra de gafieira, o Baque solto e o trabalho mais autoral do Fole Baixo que começou em duo e agora foi ampliado para trio.

Fechando o dia, a palestra do professor Márcio Mattana, do curso de Bacharelado em Artes Cênicas da FAP, que falou sobre “A música ao vivo e o músico como performer”. Mattana é outro que veio demonstrar como as fronteiras estão aí para serem atravessadas. Trabalhando sempre na intersecção entre teatro e literatura, teatro e música e literatura e música, Mattana é compositor e cantor de destaque na cena curitibana, para além do seu trabalho de altíssimo nível na área de teatro.

No último dia, as atividades começaram com a apresentação da turma do primeiro ano do Bacharelado em Música Popular, que apresentou o trabalho autoral nas composições de Josimar Artigas, Daniele Cordoni e Paula Back. Tudo em arranjos da própria turma, num conjunto de vozes, violão, baixolão e percussão. O trabalho faz parte de uma disciplina do curso – Prática de Música em Conjunto, ministrada para esta turma pela professora Marilia Giller.

Tivemos então mais um egresso, o prof. Alonso Figueroa, com a conferência “Viva o Som”, na qual tratou da formação do músico, habilidades necessárias no desenvolvimento da carreira e, principalmente, o trabalho com música eletrônica abordando alguns equipamentos, softwares de edição e exemplificando com seu trabalho criativo em diversas produções. Boa parte delas podem ser ouvidas aqui na página do músico no soundcloud.

E o grande encerramento foi com o show Desejo canibal com Helena Sofia e a Música Perturbada Brasileira, um trabalho autoral de Helena Sofia que se articula entre voz, violão, acordeon e um trio de rock (guitarra, baixo e bateria) resultando numa interessantíssima fusão. Mais informações sobre o trabalho, que está para sair em CD, aqui na página do grupo no Facebook.

Os eventos mostraram que a tradição da música popular brasileira continua forte no que tem de melhor e pior: a precariedade institucional, que deve ser vista como um problema grave a ser superado, mas que vem nos forçando a encontrar soluções criativas ousadas e originais, criando gerações de músicos que sobrevivem na fronteira e no não-lugar, criando, exatamente por isso, uma música contemporânea original e altamente significativa.

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