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Fernando Bittencourt Luciano

Fernando Luciano é diretor da Hotmilk, ecossistema de inovação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), professor e pesquisador da área de Biotecnologia também na PUCPR. Graduado em Farmácia e Bioquímica de Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também é doutor em Food and Nutritional Sciences pela Universidade de Manitoba, no Canadá, onde foi bolsista do governo canadense. Atuou também como pesquisador no Guelph Research and Development Centre, no Canadá, e como docente convidado na Universidade de Valência, na Espanha. No campo do empreendedorismo, é CEO do NASSLE Group, focado em P&D, sua terceira startup.

Entrevista

A cultura como ingrediente da inovação

30/10/2020 22:52
Se você acessar a página de busca do Google neste momento e escrever a célebre frase de Peter Drucker que diz a “cultura come a estratégia de café da manhã” em seu idioma original, o inglês, receberá como retorno 5.810.000 de resultados. Ou seja, trata-se de uma afirmação que não é segredo para ninguém. Cultura, porém, é algo muito difícil de mudar.
Esse fato, combinado a um ambiente no qual as gerações encurtaram e a tecnologia cria novos modelos de negócios todos os dias, faz com que as organizações alcancem altos patamares e permaneçam relevantes por um período de tempo cada vez menor.
São clássicos os exemplos da Kodak, Blockbuster e, mais recentemente, da Toys'R'Us. Líderes de mercado que viram seus negócios ruírem por não conseguirem se adaptar ao novo. E qual é o grande problema que está por trás das grandes corporações? Elas se tornam tão grandes, com tantos processos e hierarquias, que passam a maior parte do tempo resolvendo problemas internos em vez de estarem focadas nas necessidades de seus clientes.
Dados do IBGE apontam que a taxa de sobrevivência das empresas brasileiras após cinco anos é de apenas 40% - mas dados sobre a sobrevivência de grandes empresas não são reportados nesse estudo. É comum que empresas nascentes que lidam com inúmeras incertezas falhem em seus primeiros anos de vida. Mas esse é fato novo para corporações consolidadas. A Innosight, empresa de consultoria americana para inovação, mostra que o tempo médio de vida das 500 empresas com maior valor de mercado nos Estados Unidos caiu de 33 anos em 1964 para 24 anos em 2016 . A previsão é de que este tempo caia para 12 anos em 2027. De onde vem toda essa turbulência?
Primeiro, há muito dinheiro em capital de risco no mundo, o que torna cada vez mais frequente o aparecimento de empresas com modelos de negócio disruptivos ou radicais, que transformam toda uma indústria. Depois, o mercado de aquisições e fusões está mais robusto que nunca. E, por último, há a cultura. Muitas grandes empresas simplesmente não conseguem se adaptar com a velocidade que necessitam.
Para entender um pouco sobre cultura, conversei com a professora Miriam Erez, pesquisadora do Technion, Instituto de Tecnologia de Israel, considerada a melhor universidade do país e do Oriente Médio. Miriam é uma das principais pesquisadoras do mundo na área de inovação e motivação no trabalho, e Israel é chamada hoje de “nação das startups”, por ter o maior número de startups per capita do mundo. O país tem na sua cultura e história a base para obter uma performance tão impressionante para uma nação de apenas 8,9 milhões de habitantes. Confira:

Empresas tradicionais, universidades e governos às vezes apresentam uma certa paralisia ao se deparar com o ritmo frenético do mundo atual. O que costumava ser uma certeza - e os pilares destas organizações – está mais frágil do que nunca. A pandemia tem mostrado a necessidade de mudar a direção de maneira ágil para permanecer relevante em uma sociedade tão acelerada e digital. Mas como essas organizações podem encontrar o caminho da mudança? Como modificar estruturas construídas por décadas de experiência para se adaptar às condições atuais? 

Certamente, o mundo está se tornando mais complexo, mais dinâmico e mais incerto. Empresas tradicionais perceberam que se elas não se adaptarem, irão desaparecer. Mudança significa inovação. Consumidores são entusiastas de produtos, processos e serviços inovadores capazes de melhorar sua qualidade de vida e preencher seus objetivos e desejos. Inovação é o encontro de melhores caminhos para resolver problemas e responder às necessidades das pessoas. Contudo, inovação não é suficiente para manter uma vantagem competitiva de mercado que seja sustentável. Com esse propósito na cabeça, as organizações devem ser rápidas para entrar no mercado com um produto atrativo e confiável e que possua um preço que faça sentido ao consumidor final.

Como as empresas podem inovar, tornarem-se mais rápidas e manterem um produto de alta qualidade e um preço justo? 

Vamos dar uma olhada no que as organizações multinacionais mais competitivas estão fazendo. Elas não esperam para desenvolver inovação dentro da empresa, que é restrita pelo processo de produção atual e recursos existentes. Elas adotaram a inovação aberta, sempre conhecendo novas startups, adaptam-se rapidamente às necessidades dos consumidores, identificando novas maneiras de resolver problemas. Elas possuem espírito empreendedor; e possuem acesso aos conhecimentos científicos e tecnológicos mais avançados.
Em Israel, a Start-Up Nation Central, que é uma organização independente e sem fins lucrativos, faz a ponte entre organizações multinacionais e a inovação israelense. Aproximadamente 300 empresas multinacionais estão, neste momento, buscando por novas startups que possuam invenções que irão auxiliá-las a desenvolver o seu novo produto ou serviço, adquirindo conhecimento externo por meio da inovação aberta. Ao incorporar o conhecimento externo na “linha de produção” das grandes empresas, é possível acelerar o desenvolvimento, produção e marketing de um novo produto ou serviço, mantendo uma vantagem competitiva sustentável.

Israel tem sido considerado um modelo de ecossistema de inovação. Apesar de ter um mercado interno muito pequeno, o país tem se posicionado como uma potência de tecnologia, criando instituições de tecnologia que são pioneiras em suas áreas e trazendo centros de inovação de muitas multinacionais para o solo israelense. Que estratégia possibilitou o alcance desses resultados? Qual é o motivo do sucesso de Israel? 

Muitas razões explicam o sucesso do ecossistema de inovação de Israel: 1) alto nível educacional em ciência e tecnologia; 2) alto investimento em pesquisa e desenvolvimento; 3) o fato de se tratar de um país de imigrantes que vieram de outras culturas e que precisam aprender a se adaptar a uma cultura nacional.
Entre todas as razões, eu escolho focar na cultura nacional. A cultura em Israel fomenta a inovação. Primeiramente, é uma cultura que traz uma distância muito pequena entre o líder e seus subordinados. Empregados se sentem com muita liberdade de expressar suas ideias, independentemente de sua posição hierárquica na organização. Além disso, pessoas que exploram novas maneiras de fazer as coisas não possuem medo de falhar. Elas percebem que isso é parte do processo de aprendizado. O low power distance permite que pessoas tenham novas ideias e as desenvolvam.
Outra característica importante é que os israelenses toleram ambiguidade. Eles se sentem confortáveis em explorar quando não há um caminho certo para o destino final. Exploradores são capazes de encontrar novos caminhos que não foram descobertos anteriormente. Por último, israelenses não são muito coletivistas ou individualistas. A cultura local permite que as pessoas se sintam livres para expressar suas ideias únicas, sendo ao mesmo tempo bons membros de equipes. Fundadores de startups precisam saber trabalhar em equipe e serem abertos para receber criticismo sobre suas ideias. A combinação de low power distance e da alta tolerância às incertezas e de um nível moderado de coletivismo nutre o ecossistema empreendedor e inovador em Israel.

Mas será que esse é só o caso da cultura israelense? Por que algumas empresas no Brasil conseguem se desenvolver de maneira tão rápida? Será que elas irão perder sua essência com o tempo? E qual é a diferença entre a mentalidade desse tipo de empresa e a maioria das corporações tradicionais? 

No dia 10 de outubro, a startup CargOn, que é uma das residentes na Hotmilk - Ecossistema de Inovação da PUCPR, recebeu o prêmio estadual do SEBRAE/PR de startup revelação. A CargOn nasceu há um pouco mais de um ano, conta com 16 colaboradores – e está com outras vagas abertas (indo para mais de 20 até o fim do ano) – que vieram em sua maioria de empresas tradicionais.
Denny Mews, CEO da CargOn, trabalhou por mais de uma década em uma das maiores empresas de logística do Brasil. Segundo ele, as primeiras medidas em cima da construção do time foram baseadas em cultura. “A equipe é muito unida, tem uma mesma linha de pensamento e as pessoas possuem a mesma vontade”, comenta Mews.
Por exemplo, nas contratações da CargOn as pessoas passam pelo o que eles chamam de day tests. Trata-se de um ou dois dias de testes para entender como o colaborador trabalha, como se ambienta e se sua cultura tem fit com a empresa, pois cultura é DNA e “uma empresa sem cultura é como um país sem história”, diz o empreendedor. Startups têm a cultura como o seu Norte. As grandes empresas possuem sua missão e visão, mas são prioritariamente focadas nos números. Denny comenta que no movimento de startups o ser humano está junto com os números.
“Um bom clube não cuida só dos fãs ou só do time. Ele cuida de ambos. As grandes empresas estão muito mais focadas em cuidar dos fãs e se descuidam do time. As startups conseguem manter suas equipes engajadas com sentimento de dono, e isso é cultura”. 
Na CargOn, há uma hashtag que é o mantra da empresa: #log+tech+human – dizendo que são uma empresa de tecnologia em logística, mas que os seres humanos são tão importantes quanto a tecnologia desenvolvida.
No fim das contas, podemos resumir o seguinte como lições da cultura israelense ou de uma startup que está dando certo no Brasil: tenha uma governança horizontal; crie um ambiente aberto para que as pessoas sejam francas; não espere apenas elogios; seja meritocrático e insira o senso de dono às pessoas; comece a colaborar o mais rapidamente possível; tente mudar quem não tem esse tipo de cultura – mas não bata a cabeça nesse assunto por muito tempo, pois pode ser muito prejudicial à sua corporação.

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