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É crucial que as empresas de tecnologia promovam iniciativas voltadas à contratação de mulheres

Fernando Bittencourt Luciano

Fernando Luciano é diretor da Hotmilk, ecossistema de inovação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), professor e pesquisador da área de Biotecnologia também na PUCPR. Graduado em Farmácia e Bioquímica de Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também é doutor em Food and Nutritional Sciences pela Universidade de Manitoba, no Canadá, onde foi bolsista do governo canadense. Atuou também como pesquisador no Guelph Research and Development Centre, no Canadá, e como docente convidado na Universidade de Valência, na Espanha. No campo do empreendedorismo, é CEO do NASSLE Group, focado em P&D, sua terceira startup.

Equidade de gênero

Participação das mulheres na tecnologia deve ser incentivada desde a educação básica

09/03/2022 14:30
As mulheres correspondem a 51,8% da população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019 (PNAD Contínua). Quando se olha para a população do país com 25 anos ou mais, constata-se que 19,4% das mulheres tinham nível superior completo em 2019, contra 15,1% dos homens, de acordo com a pesquisa “Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar disso, a maioria feminina não se reflete no ecossistema de inovação nacional. O estudo “Female Founders Report 2021”, produzido pela Distrito em parceria com a Endeavor e a B2Mamy, indicou que em 2020 apenas 4,7% das startups do país foram fundadas exclusivamente por mulheres, enquanto empresas de base tecnológica com fundadores de ambos os gêneros representavam 5,1%. Uma década antes a situação não era muito diferente: as organizações fundadas por mulheres correspondiam a 4,4% do total e as fundadas por homens e mulheres em conjunto eram 3,5%. Os números demonstram que estamos patinando.
A situação fica ainda pior quando analisamos o cenário global, no qual, aproximadamente, 20% das startups têm ao menos uma mulher como fundadora, apontou levantamento divulgado pela Statista no início de 2022. É um número ainda baixo, mas é mais do que o dobro do que se tem no Brasil. O prejuízo acaba reverberando em todo o ecossistema, já que ambientes mais plurais são enriquecidos por diferentes visões e soluções mais criativas. Em um ambiente pautado pela imprevisibilidade, isso faz toda a diferença.
Ao nos debruçarmos sobre esses dados, não temos como não concluir que eles são, em grande parte, reflexo de uma cultura machista ainda muito forte na América Latina. Por aqui, ainda paira a ideia de que as mulheres podem, sim, estudar e trabalhar, mas que seu papel no âmbito profissional será secundário. Há, infelizmente, uma espécie de convenção velada de que na economia doméstica a mulher deve cumprir uma espécie de função de apoiadora, e não o papel principal de trazer recursos para casa.
Basta verificarmos a dupla jornada que as brasileiras precisam enfrentar. A primeira diz respeito ao trabalho, enquanto a segunda se refere aos afazeres domésticos. Em 2019, segundo outra pesquisa do IBGE, as mulheres se dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos por cerca de 21 horas semanais, quase o dobro das 11 dos homens.
Além disso, segue baixo o incentivo à participação feminina em áreas mais ligadas ao universo das startups, como Tecnologia da Informação (TI) e engenharias, dominadas por homens. Por mais que as mulheres estejam presentes no ensino superior em maior número, o IBGE aponta que elas são minoria em cursos de graduação de Ciências Exatas e a maioria em programas relacionados à educação e a cuidados, como Serviço Social (88,3% dos estudantes são mulheres) e bacharelados de saúde (77,3%), com exceção de Medicina.
Por isso, é crucial que as empresas de tecnologia promovam iniciativas voltadas à contratação de mulheres, que muitas vezes podem vir em forma de cursos gratuitos em parceria com universidades, que atuam como um “funil” para os Recursos Humanos (RH), sem exigência de conhecimento prévio ou direcionados a pessoas que desejem fazer uma transição de carreira. Cursos como esses são soluções de curto prazo que podem ajudar a suprir a necessidade de profissionais de TI e ainda promover a empregabilidade de mulheres em uma área que só tende a crescer. Mais mulheres nessa área são mais exemplos positivos para as novas gerações, que aliado com promoções e capacitações internas de liderança feminina podem mudar nossa realidade no longo prazo, nos levando a números mais igualitários. Quer mudar a realidade de um país? Comece dentro de sua casa.
Na seara educacional, por sua vez, a inclusão precisa ocorrer desde cedo, com programas específicos já na educação básica tanto de empreendedorismo quanto para as áreas tecnológicas, exclusivos para meninas. Ainda, são válidas as iniciativas de empresas e instituições de ensino superior que buscam desenvolver talentos de programação entre jovens em idade escolar.
Esse é o caso do Change The Game, do Google Play, maratona de desenvolvimento de jogos só para meninas que tem como objetivo incentivar e apoiar a representatividade feminina na indústria de games, e da escola de verão Technovation Summer School for Girls, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos (SP), que ensina técnicas de programação e negócios para garotas de 10 a 18 anos, para citar dois exemplos.
Temos anos de falta de equidade de gênero na indústria para compensar, mas não tenho dúvidas de quanto mais naturalizadas forem essas práticas, maior será a participação feminina no setor de base tecnológica. É preciso, contudo, que todos façam a sua parte, das organizações da iniciativa privada ao Poder Público e até mesmo os profissionais que desacreditam de suas colegas de trabalho. Situações precisam implementadas e incentivadas para que um dia se tornem hábito. Toda ação, por menor que possa parecer, fará a diferença.

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