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Ópera de Arame
| Foto: Letícia Akemi/Arquivo/Gazeta do Povo

Autor das grandes transformações que fizeram de Curitiba uma referência internacional, Jaime Lerner é influência decisiva no pensamento contemporâneo sobre as questões urbanas. “Ele queria pegar o tecido esgarçado das cidades para cerzi-lo de novo em torno de um projeto de inclusão e pluralidade”, diz o jornalista Valério Fabris no que pode ser a melhor síntese a se fazer da vida e do legado do urbanista morto no último 27 de maio.

Precisamente por isso, Curitiba agora deve a Lerner também a preservação de sua memória. A par das homenagens, obrigatórias, há a responsabilidade de manter seu legado. E fazer dele um ativo da cidade, que precisa reafirmar-se como fórum referencial das discussões urbanas.

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Assim como fez há exatos 50 anos, quando assumiu seu primeiro mandato de prefeito e chamou a atenção do mundo para as soluções urbanas que começou a implantar, é essencial que Curitiba se coloque mais uma vez como laboratório de vanguarda da experimentação urbana.

Naqueles anos, a ainda pequena Curitiba temia o crescimento acelerado da população, determinado sobretudo pelo intenso êxodo rural de então, e clamava por viadutos e alargamento de ruas para dar conta do trânsito crescente. Com apenas 33 anos, o prefeito recém-indicado começa a acalmar a população. “A cidade tem que ser pensada para o homem, não para o automóvel”, pregava. “Na maioria das vezes, um viaduto só serve para deslocar os engarrafamentos de um ponto para outro”. E assegurava: “Não importa o quanto a cidade cresce, mas que ela domine o processo de crescimento”.

Logo, o curitibano se afinou com o novo prefeito. Tudo era novo e fascinante. Grandes parques, “a praia dos curitibanos”, a um só tempo criavam um antídoto contra enchentes e inauguravam um claro compromisso ambiental, preocupação inédita para aqueles tempos. A primeira rua do país só para pedestres, a Cidade Industrial, que, em meio à moradia e equipamentos sociais, passou a responder por grande parte dos empregos para os migrantes do campo e técnicos e executivos e suas famílias que chegavam de várias partes do país e do exterior. O primeiro corredor exclusivo para ônibus, como prioridade do transporte coletivo sobre o individual, premissa que logo ganhou o mundo. Rapidamente, a obra confirmava o discurso do urbanista.

Não há exagero em afirmar que Lerner antevia já ali as aflições urbanas que ganhariam o mundo nas décadas seguintes ao mesmo tempo em que traçava caminhos que poderiam levar a resultados mais promissores, com rapidez e custos compatíveis com os orçamentos disponíveis. “Nada é tão complexo como querem os vendedores de complexidade”. Longe de qualquer traço de simplismo, seu compromisso com a simplicidade era sinônimo de vontade de fazer, de resolver, de abrir caminho. Em outras palavras, estava ali o segredo do sucesso de Curitiba que atraiu tantos olhares, de tantos lugares, como o BRT, nascido aqui, e hoje adotado por mais de 250 cidades no mundo.

E com ele Curitiba abraçou a cultura. Seja pelos espaços que criou – Ópera de Arame, Teatro do Paiol, Solar do Barão, Museu Oscar Niemayer, entre tantos outros – seja pelo rico e variado calendário que lançou, a cidade se consolidou como endereço de cultura.

Por tudo isso, manter o legado de Lerner é imperativo. Com engajamento dos setores público e privado. Como fazer? É discussão aberta, muitos são os caminhos. Certo, no entanto, é que a melhor possibilidade está nas indicações do próprio Jaime Lerner: “a pressa é amiga da perfeição” ou “pensar o ideal, fazer o possível já”.

E fazer com paixão. Com a paixão que ele tinha pelas cidades. “A cidade é o cenário do encontro”, vivia a dizer.

* Jaime Lechinski é jornalista, trabalhou com Lerner por mais de 30 anos e assina a coluna desse mês como convidado especial

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