Opinião

Meu amigo Jaime Lerner

17/09/2021 15:30
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Abrão Assad e Jaime Lerner, na inauguração do segundo trecho da Rua das Flores, em 1973. | Gilberto Pires/Arquivo

Naquela manhã, ele caminhava no Bosque do Papa. Lucimar, ao cumprimentá-lo, disse ser minha sobrinha. Sorridente, Jaime exclamou: Ah, sim! O Abrão é o meu quarto melhor amigo! Penso eu que os seus três primeiros melhores amigos seriam, por ordem alfabética, Caio, Deiró e Lechinski.
Amizade à parte, muito mais que bons amigos fomos, isto sim, parceiros de fé antes mesmo dele ser prefeito. Juntos, conquistamos prêmios em diversos concursos nacionais e internacionais de Arquitetura e Urbanismo. No entanto, quando fomos convidados para solucionar o intrincado problema de mobilidade da cidade de Xangai, nem mesmo o “Destrofagador de Bertuges”, dispositivo por ele inventado para combater causas impossíveis, deu conta do recado.
Postal enviado por Jaime Lerner ao amigo arquiteto Abrão Assad, em 1971.
Postal enviado por Jaime Lerner ao amigo arquiteto Abrão Assad, em 1971.
Mas Jaime Lerner sempre teve uma boa estrela; então, por sorte ou destino, assumiu a Prefeitura de Curitiba! Naquele início dos anos 1970, nossa cidade desabrochava timidamente, muito comedida e sem grandes atributos. Por isso, não tendo quase nada… foi possível fazer tudo! Ter um bom arquiteto prefeito fez, sim, toda a diferença.
Assim sendo, religiosamente, Jaime saía de sua casa na Rua Bom Jesus e, antes de ir ao IPPUC, ali perto, passava no meu escritório, na João Gualberto, para acompanhar o desenvolvimento do projeto da Rua XV, e observar os protótipos ali instalados, nos jardins do antigo casarão.
Antes do projeto da Rua das Flores, fiz lá também o projeto do Teatro do Paiol em apenas quinze dias, todo a mão livre em função da urgência de se iniciar a obra de reciclagem daquele antigo depósito de pólvora, que corria risco iminente de desabamento de sua estrutura. As circunstâncias políticas de então expunham o cargo de prefeito a uma delicada e frágil estabilidade. Acredito que o sucesso da XV tenha-lhe sido favorável.
A chance de poder fazer, e o que, e como fazer… e rápido fez, sim, toda a diferença; e era o que nos movia! Jaime sempre dizia: é preciso fazer acontecer!
Ilustrações dos projetos arquitetônicos em Curitiba assinados por Abrão Assad. Em cima, da esquerda para a direita, o Teatro Paiol, a Rua das Flores e as estações tubo. Embaixo, no mesmo sentido, a Rua 24 horas, o Jardim Botânico e o Paço Municipal, hoje Museu Paranaense.
Ilustrações dos projetos arquitetônicos em Curitiba assinados por Abrão Assad. Em cima, da esquerda para a direita, o Teatro Paiol, a Rua das Flores e as estações tubo. Embaixo, no mesmo sentido, a Rua 24 horas, o Jardim Botânico e o Paço Municipal, hoje Museu Paranaense.
Sendo assim, pude, ao longo destes 50 anos, com a equipe do meu escritório, realizar como arquiteto, urbanista e escultor, importantes projetos que deram cara a Curitiba, tais como o Teatro do Paiol, primeira obra autorizada pelo prefeito Jaime Lerner em 1971; a emblemática Rua das Flores em 1972; o restauro do histórico Paço Municipal (Museu Paranaense) em 1973; a revolucionária Estação Tubo em 1989; a tribal Rua 24 Horas em 1990; e, em 1991, o admirável Jardim Botânico.
Nada disso foi por acaso ou por mera coincidência! Como autor destes projetos tive clara intenção de criar para Curitiba nos anos 1970 equipamentos urbanos que a tornassem aprazível e identificável. Nos anos 1990, com recursos tecnológicos mais sofisticados, foi possível desenvolver novos projetos com a intenção de motivar e definir nossa arquitetura, até então sombria e, principalmente, suprir e enriquecer a demanda urbana.
Croqui do Jardim Botânico de Curitiba, assinado por Abrão Assad e realizado durante o mandato de Jaime Lerner como prefeito.
Croqui do Jardim Botânico de Curitiba, assinado por Abrão Assad e realizado durante o mandato de Jaime Lerner como prefeito.
 Mais um croqui do Jardim Botânico de Curitiba, assinado por Abrão Assad.
Mais um croqui do Jardim Botânico de Curitiba, assinado por Abrão Assad.
Tais equipamentos foram concebidos em aço e vidro, com o principal objetivo de edificar espaços leves e transparentes e, assim, não tolher a paisagem urbana, tornando-os ícones de toda a cidade e símbolo do lugar.
Jaime dizia bem-humorado que formávamos um dueto. Fizemos belas parcerias; ele prefeito, eu arquiteto; ele papel, eu lápis! Plantamos boas sementes. É preciso cuidar dos frutos e atentar para as ervas daninhas. Também valorizar e preservar o que deu certo, pois não se rasga um retrato de família!
Croqui da Rua das Flores no final da década de 1970. Jaime Lerner representado ao centro (com a mão na cintura) e Abrão Assad próximo ao bondinho (de terno).
Croqui da Rua das Flores no final da década de 1970. Jaime Lerner representado ao centro (com a mão na cintura) e Abrão Assad próximo ao bondinho (de terno).
Jaime realizou todos os seus sonhos; os melhores como o nosso melhor prefeito, dando a nós seu maior legado! Vamos brindar em dezembro os 50 anos do Teatro do Paiol e no ano que vem os 50 anos da Rua das Flores. Em respeito à memória deste grande visionário curitibano, estarei sempre atento para o que der e vier! Valeu, amigo Jaime!
*Abrão Assad é arquiteto, urbanista, designer e escultor.