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Desenhos
| Foto: Luiz Hayakawa

O "desenho escondido"

Década de setenta. Sala de desenhos no escritório de Jaime Lerner Planejamento Urbano. Debruçados numa prancheta, os arquitetos Jaime Lerner, Carlos Ceneviva, Abrão Assad e Taco Roorda. No mesmo ambiente de trabalho, os estagiários de arquitetura e desenhistas em silêncio nas suas pranchetas, mas com os ouvidos atentos. Vários mapas de cidades estavam estendidos para a reunião. Na época, o escritório desenvolvia os Planos de Estruturação Urbana para várias capitais do país. A discussão começou com a famosa pergunta do Jaime: E então? Já acharam os “desenhos escondidos”?

Incrível a genialidade de uma simples expressão. Dizia o Jaime: “Toda cidade tem um desenho escondido, só temos que descobrir”. Percebi, naquele momento, a profundidade daquela reunião, em que a memória busca lá nas profundezas da mente a importância do desenho na história da humanidade.

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Aqueles “desenhos escondidos” nas cavernas e rochas milenares, que nos contam a vida cotidiana, as aventuras, as lutas pela sobrevivência e bravura dos nossos antepassados. Desenhos simples e diretos. A base da comunicação e expressão, bem antes da evolução da escrita.

A mente humana, em seu espaço e tempo, faz sua interpretação. E o mais incrível é que a leitura pode ser diferente conforme o momento passado, presente ou futuro.

Aquela centelha que se inicia no encontro da mente e a alma, em sua primeira ação abstrata de movimento.

O ponto em nossa mente é o primeiro passo do traço da memória. Ela se junta na linha dos sonhos e percorre o caminho da imaginação, logo se transformando em formas e imagens. É a energia que move as ondas de um cenário de sonho, em transformação para a realidade. É o desenho escondido em seu “momento criativo expandido” nas mentes das forças vivas, a caminho de sua descoberta.

Na maravilha da criação, vem o compartilhamento. Dele, retornam em múltiplos sonhos. O sonho deixa de ser único, para ser coletivo. E o desenho escondido se revela nas aspirações de um povo, como nas pegadas da memória, em seu caminho na linha do tempo. Percorremos, sem notar, em seus desenhos escondidos, expressões da cultura indígena e do Movimento do Ser Paranaense. Momento de identidade de um povo, os desenhos de pinhas, pinheiros, figuras indígenas misturadas com os traços europeus do art nouveau resistem ao tempo nas praças e calçadas da área central da cidade. São os traços da memória paranaense nos cutucando para preservar o nosso bem cultural.

O desenho realça a fantástica beleza da floração das árvores e suas cores nas linhas do BRT, movimentando a vida, despertando os sonhos e alimentando a esperança dos cidadãos.

E a BR-Vida, atual ‘Linha Verde’, que sempre esteve lá, escondida num mapa de rodovia federal, que dividia os bairros de Norte a Sul. Talvez, o mais importante dos “desenhos escondidos” da capital, em sua integração metropolitana.

No Ippuc, final da década de noventa, num enorme mapa estendido no chão, Jaime Lerner sorri e, com os olhos brilhando, joga a sua carteira como numa aposta do momento futuro da Linha Verde, agora cobrindo a BR-116: achamos o desenho escondido pela rodovia.

Continuamos sempre em busca dos desenhos escondidos. Mas sempre é bom consultar o céu e visualizar o conjunto das estrelas que nos dão o rumo, a referência e a orientação do melhor caminho. Uma constelação poderosa, formada por estrelas de primeira grandeza, onde Jaime Lerner se juntou. Como descreveu Helena Kolody num desenho escondido em forma de haikai: “pintou o céu no muro e teve as estrelas ao alcance das mãos”.

*Luiz Hayakawa é arquiteto e urbanista, acompanhou Jaime Lerner desde os anos 1970 e presidiu o Ippuc e a Comec. Assina essa coluna como convidado especial.

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