Opinião

Águas metropolitanas

06/08/2021 15:36
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Barragem Piraquara II, uma das principais barragens que compõem o abastecimento de água da capital. | Divulgação/Prefeitura de Piraquara

Na normalidade, poucos se dão conta da preciosidade da água potável para a população de Curitiba e do complexo sistema de reservação, tratamento e distribuição que há décadas vem sendo exemplarmente conduzido pela Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar.
Com a redução das chuvas e consequente crise hídrica que abate o Paraná, o novo cotidiano de consultar a escala de rodízio da distribuição da água e acompanhar o nível dos reservatórios é uma eloquente chamada para não somente mudar os nossos hábitos, mas para despertar nossas limitadas percepções daquilo que há por de trás da água que bebemos.
Prezado curitibano, você sabia que praticamente toda água que consumimos vem dos municípios vizinhos? Nas condições geográficas e geológicas em que a nossa capital se instalou, contamos pouquíssimo com águas subterrâneas e dependemos, além das “águas superficiais” advindas das chuvas, da proteção de extensas bacias hidrográficas distribuídas no território metropolitano.
Aí entra o urbanismo com a sua caixa de ferramentas para auxiliar a proteção dessas bacias. Pois uma excessiva densidade populacional e atividades poluidoras podem comprometer, e muito, a qualidade das águas que abastecem o sistema. A adequada ocupação tem sido tarefa fundamental dos planejadores municipais e regionais, resultando na construção de um conjunto de políticas públicas – a principal delas, o Sistema Integrado de Gestão e Proteção dos Mananciais da Região Metropolitana de Curitiba.
Muitas atividades urbanas e rurais sofrem restrições, e vários dos municípios-irmãos ficam para trás na bem-intencionada corrida para atrair investimentos imobiliários, comerciais e industriais, pois tais restrições (também bem-intencionadas) às vezes limitam o desenvolvimento dessas cidades.
Tive a oportunidade de presidir a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba – COMEC no segundo governo Lerner (1999-2002) pelo Estado do Paraná onde, com a participação de grande equipe e inúmeros parceiros (órgãos governamentais, universidades, prefeituras, ONGs), demos um importante passo para a proteção dos mananciais com a criação do Conselho Gestor dos Mananciais.
Este conselho tem sido, desde então, entre outras atribuições, o fórum privilegiado para atualização da legislação de uso do solo e de mediação colegiada em questões específicas ou conflitantes – em suma, como conciliar a preservação ambiental com o crescimento urbano e econômico.
Paralelamente, muitas ações concretas foram implementadas, com destaque àquelas promovidas pela Emater-PR, que estimulou a adoção de agricultura orgânica que, sem agrotóxicos, garante a qualidade dos solos; e criou os circuitos metropolitanos de turismo rural que promove alternativas de emprego e renda, aliviando a pressão urbana inadequada. Importante destacar que há trinta anos foi criado o ‘ICMS Ecológico’, que destina parte dos tributos estaduais para os municípios envolvidos na preservação dos mananciais, como medida compensatória.
E, atualmente, a Sanepar prossegue com seus investimentos estruturantes para ampliar a capacidade do sistema, através da construção do reservatório do Miringuava e da transposição de água das bacias vizinhas do Rio Capivari e Rio Verde.
Mesmo que a atual crise hídrica seja superada, fiquemos sempre alertas pela gestão racional dos mananciais e pelo consumo consciente, com antenas ligadas para a ainda não devidamente parametrizada ‘mudança climática’, rumo a um futuro sem sobressaltos para nós e para as próximas gerações.
Então, cada vez que você frequenta um dos circuitos de turismo rural e se delicia com as suas histórias, gastronomia, pousadas e paisagens; cada vez que você consome produtos orgânicos do nosso ‘cinturão verde’; e cada vez que você abre a torneira, lembre-se que tudo isso faz parte de um impressionante conjunto de esforços compartilhados e de um generoso mutirão pela “solidariedade metropolitana”.
*Paulo Kawahara é arquiteto e urbanista, ex-presidente da COMEC e sócio da Jaime Lerner Arquitetos Associados