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Órgãos de trânsito do PR desconhecem legislação sobre uso da bicicleta
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Reprodução / BPTran
Batalhão de Polícia de Trânsito do Paraná diz que ciclistas devem andar na contramão da lei. Acessado em 24/04/2012 as 20h30.

O Batalhão de Polícia de Trânsito do Paraná (BPTran), órgão da Polícia Militar responsável pela fiscalização das leis de trânsito no estado, orienta em seu site que, na falta de ciclovias, os ciclistas devem trafegar na contramão.

Já o Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR), em um “jogo educativo”, criado para crianças das escolas da rede pública, ensina que “lugar de bicicleta é na ciclovia” — ignorando o fato de que a bicicleta tem o direito de trafegar nas ruas.

Os episódios revelam a situação enfrentada pelos ciclistas paranaenses. Nos dois casos, os órgãos que deveriam conhecer e fiscalizar o cumprimento da lei, contrariam frontalmente o disposto no artigo 58 do Código Brasileiro de Trânsito (CTB):

Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores“.

Se o BPTran não tem capacidade de interpretar a parte do texto que fala sobre sentido de direção, o que dirá sobre fazer cumprir a preferência da bicicleta sobre os veículos automotores, como prevê a lei ?

Suponha que um ciclista bem intencionado, ao seguir essa orientação do BPTran, acabe sendo vítima fatal em uma colisão com um veículo automotor. Neste caso, o motorista pode vir a não ser responsabilizado criminalmente pela morte se comprovar que a culpa pelo acidente foi do ciclista, que trafegava na contramão, em desacordo às leis de trânsito.

Para o advogado da família do ciclista, seria praticamente impossível comprovar que ele pedalava na contramão por orientação do órgão oficial de trânsito. Teríamos então um ciclista morto, um motorista inocente e um órgão de trânsito que, a essa altura, já retirou do ar a página irresponsável.

Desde 23 de setembro de 1997 — portanto há quase 15 anos –, o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503) prevê que bicicleta é um veículo de propulsão humana e tem o direito de compartilhas as vias, com preferência sobre os veículos motorizados. Prevê também que a bicicleta NÂO pode, por exemplo, trafegar nas calçadas ou na contramão.

A advogada Gisele Barioni, presidente da Comissão de Trânsito da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), classifica a situação como grave. “Cabe ao órgão prestar a informação correta”, avalia. Ela diz que, caso a informação não seja corrigida, pode enviar um ofício ao BPTran para que retire a informação do site do ar, prestando a orientação correta sobre a legislação de trânsito em relação ao uso das bicicletas.

É brincadeira?

Outro caso grave é a “campanha educacional” que o governo do Paraná vem promovendo em escolas públicas. A intenção, há de se reconhecer, é a melhor possível: educar as crianças e, assim, formar os motoristas do futuro.

Reprodução / Detran-PR
No detalhe, ensino errado: bicileta também tem o direito de andar nas ruas. Mas Detran-PR acha “perigoso demais”.

O joguinho consiste em um tabuleiro, um dado e carrinhos para brincar com a família e educar a todos: o pedestre deve atravessar na faixa, o motorista deve usar o cinto de segurança e lugar de criança é no banco de trás.

Outro ensinamento é que “lugar de bicicleta é na ciclovia”. Simples assim. Sem dizer que, quando elas não existem ou não têm condições de uso, o ciclista tem o direito de andar nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores. (Art. 58º do CTB)

O jogo é parte de uma série de materiais educacionais desenvolvidos pelo Detran-PR, que são entregues de acordo com a solicitação da redes municipais e estadual de ensino.

Reprodução/Detran-PR
É brincadeira? Joguinho ensina que “lugar de bicicleta é na ciclovia”.

Em tese, esse erro na elaboração do conteúdo dá, até mesmo ao motorista bem intencionado que assimilou o conteúdo pedagógico mostrado pelo filho, o “direito” de achar que o ciclista que está compartilhando a rua é que está errado. A consequência são as buzinadas, fechadas e gritos de “vai para a calçada”. Quando não, acidentes graves.

De acordo com o coordenador de Educação para o Trânsito do Detran-PR, Juan Ramon Soto Franco, ao menos 270 mil exemplares já foram reproduzidos, ao custo aproximado de R$ 370 mil. Os recursos são do orçamento do próprio Detran-PR para ações de educação no trânsito.

O coordenador reconhece que a informação é equivocada, mas reconhece que ela é intencional. “Não podemos, neste momento, focar que o ciclista pode compartilhar as vias porque estaríamos colocando as crianças em perigo”, justifica.

Segundo ele, para que todos possam compartilhar as ruas seria preciso um trabalho de infraestrutura e engenharia de trânsito. “Isso não é da alçada do Detran. Depende de um trabalho estratégico com o órgão municipal de trânsito. Não é tão fácil nem tão rápido”, defende.

Soto Franco afirma que só haveria uma mudança de enfoque no material infantil quando a cidade oferecer um infraestrutura adequada para os ciclistas. Ele explica que, nas cartilhas voltadas ao público adulto, a abordagem é diferente e a informação é prestada “da maneira correta”.

Gisele, da OAB-PR, informa que a Comissão de Trânsito já tem conhecimento deste fato.

Oh! E agora, quem poderá me defender?

Durante a realização do 2º Fórum Curitiba de Trânsito, o secretário da Setran, Marcelo Araujo, afirmou que incidentes envolvendo ciclistas e motoristas devem ser registrados no Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) — o mesmo órgão que diz, em seu site oficial que ciclista deve andar na contramão.

Para que exista uma convivência pacífica, é necessário, sim, que todos respeitem a lei. Mas quando o órgão responsável pela fiscalização se omite, o cumprimento ou não das leis fica em função da boa vontade individual e grau de civilidade de cada um.

O mais grave dessas duas situações é a irresponsabilidade de quem deveria educar e fiscalizar, além de se omitir, ainda age de forma errada quando se dispõe a fazer algo. Na prática, o dinheiro público é mal gasto e contribui para aumentar o risco e a sensação de insegurança para quem pedala.

Exibindo maior ou menor grau de imbecilidade, sempre que se levanta aqui no blog a questão da necessidade de mais segurança para os ciclistas nas ruas da cidade, aparece alguém com esse tipo de argumento:

“Mas os ciclistas também não respeitam o trânsito. Ontem mesmo eu vi um marginal pedalando na contramão. Depois que morrem não sabem o porquê”. Agora, pelo menos, já se sabe…

Atualização (26/4 às 18h)

A assessoria de imprensa da Polícia Militar do Paraná informa que o referido folder foi desenvolvido em maio de 2011 e que, à época, o erro já havia sido identificado. Segundo a PM, todos os que receberam a publicação foram informados, via mala-direta, do erro no material.
A assessoria reconheceu que, por um erro interno, a versão disponível no site não foi corrigida.
A assessoria informa ainda que, após a publicação deste post, uma nova versão do material, com a informação corrigida, já está disponível no site da corporação.

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